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UFF participa de pesquisa internacional sobre a relação entre comércio de escravizados e o desenvolvimento europeu 

  • Foto do escritor: Sônia Apolinário
    Sônia Apolinário
  • há 37 minutos
  • 4 min de leitura



Pintura registra o interior de um navio negreiro - Domínio Público via Wikimedia Commons
Pintura registra o interior de um navio negreiro - Domínio Público via Wikimedia Commons

O que a Santa Casa do Porto, em Portugal, além de centenas de escolas, linhas de trens e bancos, do país, têm em comum, além da nacionalidade? Resposta: a origem do dinheiro que permitiu todos esses investimentos, no caso, lucros com o comércio de pessoas escravizadas.

 

Investigar de que forma a história do comércio transatlântico de africanos escravizados influenciou o desenvolvimento econômico, político e cultural da Europa é o objetivo do projeto TASTADE – “The Transatlantic Slave Trade and the Development of Europe”.

 

Trata-se de uma pesquisa internacional, conduzida por quatro universidades: Lancaster University (Reino Unido, que lidera o projeto), Vrije Universiteit Amsterdam (Países Baixos),  Université Côte d’Azur (França) e Universidade Federal Fluminense (Brasil).


 

Na UFF, quem está à frente da pesquisa é Leonardo Marques, professor de História da América Colonial e membro do Programa de Pós-Graduação em História da universidade.  Há cerca de 20 anos, ele estuda a escravidão – prática comercial responsável pelo deslocamento forçado de mais de 12 milhões de pessoas entre os séculos XVI e XIX.


- O projeto busca compreender como os agentes envolvidos nesse comércio impactaram profundamente a formação do mundo moderno. Foram pessoas que ocuparam cargos políticos,  financiaram instituições culturais e formaram redes transnacionais entre portos como Londres, Lisboa, Rio de Janeiro, Salvador e Havana – informou Marques.

 

Em um primeiro momento, a pesquisa busca criar um extenso banco de dados com informações sobre milhares de financiadores e redes de atuação, “que vai permitir analisar as ramificações econômicas, políticas e culturais do processo em escala global”, como explicou o professor, Doutor em História pela Emory University (Geórgia, EUA).

 

Orçado na sua totalidade em 10 milhões de Euros, o projeto TASTADE é financiado pela União Europeia. O convite para a UFF fazer parte chegou, via Marques, no final de 2023. Na mesma época, ele começou a elaborar o projeto, que foi  submetido à aprovação há alguns meses.


Agora, o professor começa a montagem da equipe que terá entre 30 e 40 pesquisadores. O trabalho de campo está previsto para começar no segundo semestre de 2026. O projeto tem duração de seis anos. Faz parte das tarefas de Marques a organização de conferências, workshops e encontros internacionais.

 

Autor de “Por aí e por muito longe: migrações, dívidas e os libertos de 1888” (Apicuri, 2009) e “The United States and the Transatlantic Slave Trade to the Americas, 1776-1867” (Yale University Press, 2016), além de artigos e capítulos de livro em torno da história do tráfico de escravos, da escravidão e de suas relações com o capitalismo, Marques afirmou que a maior parte dos comerciantes de escravos era português, tendo sido o Conde de Ferreira (1782-1866) um dos maiores.

 

Nascido no Douro, em família de lavradores, Ferreira ficou rico ao comercializar cerca de dez mil escravos angolanos. Após a decretação da abolição da escravatura no Brasil, em 1830, foi acusado de perpetuar a prática, tornada ilegal.

 

De volta à terrinha, criou fama de filantropo ao construir mais de cem escolas públicas, além da Santa Casa do Porto, dentre vários outros investimentos.


O convés principal de um navio negreiro no mar, por volta de meados do século XVIII. Fonte: Wikimedia
O convés principal de um navio negreiro no mar, por volta de meados do século XVIII. Fonte: Wikimedia

Já Manuel Pinto da Fonseca (Porto, 1804-1855)  não se contentou em ser somente comerciante de escravizados, como virou um dos maiores contrabandista dessa “mercadoria” para o Brasil, após 1830. Ele tanto fez que acabou sendo deportado de volta para Portugal (1851), onde não se fez de rogado: investiu em linhas de trem e bancos.


- Os comerciantes de escravos se tornaram pessoas influentes porque ficaram ricas. A pesquisa pretende explorar essa dualidade do processo histórico europeu amarrado no comércio escravagista. Pela minha percepção, o dinheiro desse negócio ajudou a construir a Europa – afirmou Marques que atualmente desenvolve pesquisas sobre a história ambiental da era colonial, com foco específico na história da mineração nas Américas.

 

No Brasil, o dinheiro do comércio de escravizados financiou, por exemplo, a construção dos museus Nacional e da República.


Marques observou que, para além dos grandes comerciantes, por aqui, houve uma “multidão” de pequenos investidores no negócio que envolvia compra e venda de pessoas – um aspecto, segundo ele, pouco explorado da escravidão, no país.


No Brasil, ter um escravo era algo normal, mesmo por quem não pertencia à elite. De acordo com o professor, foi só a partir de 1850 que escravo virou mercadoria de luxo, como resultado tardio da abolição. Nesse período, somente a elite pode consumir tal mercadoria.


Além disso, tendo sido o Brasil o último país a abolir a escravidão, escravocratas de todo o mundo passaram a vir para cá. Muitos deles, na verdade, imigraram para cá.


O caso mais notório dessa situação diz respeito à região conhecida como Americana, em São Paulo, origem das cidades de Piracicaba, São Carlos e Campinas. Foi lá que milhares de norte-americanos confederados, os escravagistas derrotados na Guerra de Secessão (1861 a 1865) se refugiaram.


Foi essa história que despertou a atenção de Marques, nascido em Santos, para as questões relacionadas com a escravidão. Sua porta de entrada no tema foi a relação mantida entre Brasil e Estados Unidos – “país que aboliu o tráfico de escravos, mas seguiu sendo escravista e negociando, principalmente barcos, para esse tipo de comércio”, como afirmou o professor, que mora em Niterói desde 2015, quando passou no concurso que lhe permitiu o ingresso na UFF.


Jornal de 1860 ilustra navio capturado quando ia para Cuba - New York Public Library
Jornal de 1860 ilustra navio capturado quando ia para Cuba - New York Public Library

Quanto, em moeda de hoje, esse comércio teria movimentado ainda é um mistério, segundo o professor. Chegar perto desse montante é uma das metas da pesquisa.


- O Brasil, último país a abolir a escravidão, “por acaso” é um dos mais desiguais do mundo. A violência, tão naturalizada, vejo como uma herança, uma naturalização dessa base escravocrata da sociedade brasileira. Essa base se manifesta no cotidiano de várias formas. Talvez, a mais emblemática seja a figura da empregada doméstica – disse Marques.

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