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'O Brasil vai sofrer, até o ano que vem, muitas outras formas de agressões', afirma o geógrafo e analista político Elias Jabbour

  • Foto do escritor: Sônia Apolinário
    Sônia Apolinário
  • 29 de jul.
  • 7 min de leitura

Atualizado: 31 de jul.


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Na Grécia Antiga, Ágora era como se chamavam as praças públicas. Nesses espaços, os gregos, principalmente os atenienses, debatiam os mais diversos assuntos relacionados com a pólis (cidade) e até realizavam assembleias onde decisões eram tomadas mediante votações.

 

Se somos herança da democracia grega, nada mais “natural” do que o debate na Ágora. Pois um intelectual brasileiro tem tomado o caminho das praças públicas justamente para resgatar essa forma de discutir questões de importância nacional. E tem feito sucesso. Trata-se de Elias Jabbour.

 

Geógrafo, professor da Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e ex-diretor do Banco dos BRICS, ele atraiu cerca de 300 pessoas, na ensolarada manhã do último domingo (27), para acompanhar uma aula pública ministrada em uma praça em Icaraí, na zona sul de Niterói. O tema: “A tarifa do Trump sobre o Brasil – o Sul Global e a nova ordem multipolar”.

 

- Os intelectuais brasileiros estão muito encastelados, se assemelham muito a uma corporação de ofício feudal, completamente longe da realidade – disse Jabbour, em entrevista exclusiva para o #ComuniC

 

Militante comunista desde sempre, Jabbour é reconhecido por seus estudos sobre o desenvolvimento econômico da China e por sua contribuição teórica à formulação do conceito de Nova Economia do Projetamento.

 

Sobre o tema da sua aula, não passou pano para a situação em que o Brasil se encontra com a taxação dos produtos nacionais em 50% pelos Estados Unidos, prevista para entrar em vigor no próximo dia 1 de agosto. E deixou claro que dias piores virão.

 

Paulista, filho de um imigrante libanês e de uma paraibana, Jabbour é cidadão niteroiense:

 

- o Partido Comunista foi fundado em Niterói e eu, como militante do partido há 34 anos, membro da direção nacional, tenho Niterói como parte do meu imaginário político – afirmou.

 

Confira a entrevista


Elias Jabbour durante aula pública em Niterói
Elias Jabbour durante aula pública em Niterói

Como o senhor avalia a aula pública no domingo, em Niterói?

Elias Jabbour: Foi um sucesso. Hoje, poucas pessoas, no Brasil inteiro, têm capacidade de mobilizar tantas pessoas em um domingo de manhã para falar dos assuntos que nós tratamos, que é socialismo, projeto nacional, desenvolvimento, soberania. Não que seja eu essa pessoa. São as ideias que acabam mobilizando muito. E sem colocar essas ideias de forma infantil, mas com contexto histórico. A aula de Niterói como outras que já aconteceram, tanto na zona norte quanto na zona sul do Rio, têm um apelo muito grande.

 

Que percepção teve do público?

EJ: Que está acordando para o outro lado da moeda. Nós passamos 10, 15 anos sendo sufocados com uma propaganda mais conservadora e até de extrema direita. Nós entramos como um contraponto a isso e decidimos ir às ruas para falar sobre isso. O público reflete muito essa curiosidade sobre os temas que a gente levanta.  

 

O que o levou a começar proferir aulas públicas em praças?

EJ: Eu tomei uma decisão, em 2018, 2019, após ser um autor reconhecido, dentro e fora do país, de transformar esse conhecimento que eu tenho feito na forma de divulgação científica em algo para o público. Percebo a academia muito fechada dentro de si, com pouca disposição para o debate. Tomei a decisão de tentar socializar o máximo possível as minhas ideias.

 

Sua aula em Niterói foi sobre o tarifaço dos EUA contra o Brasil. Como avalia esse quadro?

EJ: O quadro é muito perigoso. Porque não é somente a tarifa em si de 50% e sim porque vai se consolidando a posição de que o Brasil está sofrendo uma sanção dos Estados Unidos. Diferente da Europa e outros lugares do mundo que aceitaram negociar, eles não estão aceitando negociar com o Brasil. Isso envolve o isolamento do Brasil  no Brics, uma “lição” para a América Latina - porque existe uma tentativa de reconsolidar a América Latina como quintal dos Estados Unidos e essa reação ao Brasil em particular é exemplo disso. O Brasil vai sofrer, até o ano que vem, muitas outras formas de agressões que vai envolver guerra híbrida (tipo de conflito moderno que combina múltiplas frentes de ataque, como desinformação em larga escala, sanções econômicas, sabotagens de infraestrutura, lawfare e pressões diplomáticas articuladas); guerra psicológica e utilização das big techs como instrumento, como braço norte-americano no Brasil. Enfim, é uma guerra que está se configurando, mais no sentido figurado, no campo da subjetividade e no campo da economia.

 

Com o tarifaço, palavras de ordem do tipo “abaixo o imperialismo” que pareciam “ultrapassadas”, voltaram a fazer sentido e estão de volta às ruas. Como avalia isso?

EJ: O imperialismo é uma categoria histórica, não é uma palavra de ordem. Como é uma categoria científica, tem validade. A questão é que o imperialismo vai tomando várias formas históricas, ao longo do tempo. Hoje, a imposição de tarifas, a transformação de tarifas em arma de destruição de massa, vamos dizer assim, tem sido também uma expressão do imperialismo. Então, as pessoas percebem isso e percebem a validade dessa categoria, que vai se transformando em palavra de ordem. É o espírito do tempo. As pessoas percebem e acabam abraçando esse tipo de análise.

 

O senhor se notabilizou pela formulação, ao lado do economista Alberto Gabriele, da Nova Economia do Projetamento. Pode, por favor, explicar essa teoria e indicar como ela pode se dar na prática?

EJ: Essa teoria é um resgate das ideias de Ignácio Rangel, economista brasileiro que, no final dos anos 50, elabora sobre isso, sobre a arte de fazer projetos em Ciência. Isso começa com a separação do projetamento entre duas categorias: custo e benefício e muda-se a problemática do lucro imediato para a razão entre as duas categorias. Isso abre um relevo para colocar a centralidade da contabilidade social; ou seja, a macroeconomia, que envolve as necessidades imediatas das pessoas; a questão de uma economia baseada em grandes projetos que acabam substituindo de forma lenta, gradual e segura, a lei do valor como métrica. Por exemplo, por que a China é economia de projetamento?  Porque é um país cuja economia é cada vez mais centralizada na busca da razão custo-benefício e essa razão se expressa em uma economia ultra subsidiada para financiamento de bem público como, por exemplo, 45 mil km de trens de alta velocidade que é um empreendimento que, em tese, dá um prejuízo muito grande. Os metrôs de Pequim e Xangai operam com altíssimo nível de subsídio. Aqui no Brasil, isso seria impossível. Daria CPI para privatizar e lá é uma lógica. A lógica de colocar a construção de riquezas para o bem estar das pessoas faz parte do projetamento e já está em prática. Como fazer isso no Brasil? Isso é outra questão que demanda uma luta política grande.

 

O senhor é militante do Partido Comunista Brasileiro. No Brasil, o comunismo é um eterno “fantasma” por mais que o comunismo nunca tenha chegado, de fato, nem perto de assumir o poder no país. Como avalia isso?

EJ: As classes dominantes sempre vão usar desse “trunfo” do comunismo para difamar qualquer coisa ou pessoa que coloque em questão o status quo. Chegamos a um ponto que um padre, por servir comida na rua, é chamado de comunista, algo que não tem nada de comunista, vamos dizer assim. Os países que mais aplicam impostos nos ricos são os Estados Unidos e os da Europa Ocidental. No Brasil, que tem uma classe dominante altamente mediada por ideias escravocratas, por ódio ao povo, esse super trunfo do comunismo é muito utilizado. Mas tem um outro lado disso: as pessoas também querem saber o que é esse tal de comunismo. E começam a chegar informações sobre a China, de como a China está se desenvolvendo, como reage à pobreza extrema; é trem de alta velocidade; é alta tecnologia; é smart city, e isso vai abrindo caminhos para que a gente possa colocar nossas ideias em jogo.

 

De volta às aulas públicas, ocupar as praças com atividades desse tipo é como recriar uma espécie de Ágora contemporânea. Os intelectuais brasileiros estão muito encastelados?

EJ: É uma Ágora contemporânea, uma definição genial. Os intelectuais brasileiros estão muito encastelados, se assemelham muito a uma corporação de ofício feudal, completamente longe da realidade. Isso é fruto de um país que não tem projeto nacional, então, os intelectuais acabam tendo comportamento de classe, uma classe que assina e dá voz e legitimidade às ideias da classe média e classe dominante. Voltados a uma atividade com fim em si mesmo. As aulas públicas são o oposto disso.

 

O senhor é cidadão niteroiense. Qual sua relação com Niterói?

EJ: Sou cidadão niteroiense, título concedido pela Câmara dos Vereadores. Minha relação com a cidade é muito clara: o Partido Comunista foi fundado em Niterói e eu, como militante do partido há 34 anos, membro da direção nacional, tenho Niterói como parte do meu imaginário político. É por isso que, de tempos em tempos, visito Niterói para reafirmar essa minha ligação histórica com a cidade.

 

Após a aula de domingo, o senhor passeou pela cidade?

EJ: Fiquei com amigos na praça, conversando, tirando impressões do evento. Sempre estou na cidade, de certa forma, em eventos na UFF, em casa de amigos. Então, vira e mexe, estou indo a Niterói.

 

Niterói tem uma tradição de gestões mais à esquerda, mas nas últimas eleições municipais, a extrema direita marcou forte presença. Acredita que o “fantasma” da extrema direita ainda seguirá “vivo” nas eleições de 2026?

EJ: A extrema direita vai continuar sendo uma força mobilizadora muito forte nas próximas eleições. Não tenho a menor dúvida disso. Melhora um pouco o quadro por conta deles estarem nessa sinuca de bico em relação a essas sanções do (Donald) Trump contra o Brasil, mas é uma força consolidada no Brasil, hoje, e já deveria estar precificada em qualquer cálculo eleitoral que nós façamos.

 

Qual sua expectativa em relação às eleições de 2026?

EJ: Vão ser eleições muito duras. Hoje, a fotografia da realidade demonstra uma vitória do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, por conta muito mais das trapalhadas da extrema direita do que pelos méritos do governo. Mas serão eleições duríssimas, daquelas que vão definir o destino do Brasil. Vai exigir uma estratégia nacional em questão ou uma não estratégia, no caso da extrema direita.


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