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Um dia de trabalho em uma horta orgânica
25/02/2017 | Sônia Apolinário
A menos de duas horas da cidade do Rio de Janeiro, existe uma paisagem que o carioca não costuma associar muito com o Estado em que vive: grandes áreas de produção agrícola. Na BR-101, para além da entrada que dá acesso à badalada Região dos Lagos, está a pequena cidade de Silva Jardim. É lá que fica a Fazenda Dom Bosco, uma propriedade de 100 hectares que, de abandonada, está se firmando como uma das estrelas da produção orgânica do Rio de Janeiro.
No comando desse trabalho, duas mulheres: a proprietária Anita Santoro e a gerente da fazenda Vanise Blanc. Juntas, administram 32 funcionários fixos e outros tantos temporários, em função da colheita ou tratamento dos 40 itens produzidos na Dom Bosco. Desses, a vedete é a mandioca que na própria fazenda vira farinha com a qual se faz tapioca.
Por lá também se produz abacaxi, manga, maracujá, feijão, berinjela, milho, limão, abóbora, batata, quiabo. Às vezes, chuva demais estraga tudo. Às vezes, a safra decepciona na quantidade. Em outros casos, quando um produto não está excelente para ser comercializado in natura, pode virar compota, chutney, geleia, suco. Na roça, o ritmo de vida pode ser mais lento, porém, Anita precisa ser rápida e ágil para cruzar as informações da lavoura com os pedidos dos clientes e, se for o caso, renegociar prazos e metas, naqueles dias em que a Natureza apresenta lá seus caprichos. E nessas horas, é o tablet que salva.
Na Dom Bosco, a sabedoria do velho agricultor se soma às mais modernas técnicas de plantio. Formada em desenho industrial e maketing, Anita buscou orientação junto ao Sebrae e agrônomos que desenvolvem pesquisas de ponta para implantar na sua fazenda a plantação consorciada. Isso significa uma lógica de plantio em que uma planta ajuda outra. Por exemplo, o feijão ajuda a evitar praga no quiabo, então, os dois ficam juntos. E para combater a praga do quiabo? Leite cru com água. A “água suja” do processamento da mandioca você joga no formigueiro e ele desaparece. Outros defensivos naturais? Coentro e girassol. Uma planta que fique muito alta protege outra mais rasteira do sol e por aí vai.
"É muito importante escutar o agricultor. Ele tem um conhecimento prático que ajuda muito. Porém, às vezes também é difícil fazer com que entenda algumas técnicas que queremos implantar. Mas o que prevalece é o amor que o agricultor tem pela terra", afirma Vanise, nessa foto, avaliando o estrago de uma chuva forte que "lavou" a plantação de batata.
Todos os produtos da Dom Bosco são comercializados sob a marca Quitanda Natural que ostenta o selo de Certificação Orgânica concedida pelo Instituto Nacional de Tecnologia, o INT.
“A cada seis meses, a fazenda é auditada pelo INT e a certificação é renovada anualmente. Qualquer falha na produção ou na qualidade da água coloca em risco minha certificação”, conta Anita.
E ela quase perdeu sua certificação por culpa de uma perereca! Ao longo da fazenda há poços de diversas profundidades que garantem água de qualidade para a lavoura. Essa água também é avaliada a cada seis meses. Ano passado, uma única das várias amostras de água foi reprovada. Anita recebeu um prazo de um mês para resolver o problema.
“Não conseguíamos encontrar onde estava o problema. Tudo parecia correto. Até que fizemos uma verdadeira varredura no entorno do poço que apresentava problema. Quando nosso prazo estava se esgotando, descobrimos que uma perereca tinha se mudado de mala e cuia para um trecho do cano que levava a água. Hoje, contando, é engraçado. Na época, foi um sufoco”, lembra Anita.
Quando ela chegou na propriedade, em 2012, o lugar era um verdadeiro reflexo da decadência econômica da própria região. Nos séculos 18 e 19, a extração da madeira de lei garantia a prosperidade de Silva Jardim. Com a floresta devastada, restou utilizar a terra para plantio. As monoculturas do café e depois da cana-de-açúcar garantiram mais um longo período de riquezas para os grandes proprietários da região. A exaustão do solo acenou com novo período de declínio, em parte resgatado com a plantação de laranja que também durou apenas por um tempo.
A partir dos anos 80, uma imensidão de capim tomou conta da Dom Bosco, o que desvalorizou muito as terras. Anita conheceu a fazenda quase que por acaso e se encantou com sua beleza com montanhas em volta e até uma lagoa, a Juturnaíba, situada no rio São João e que foi represada para abastecer cidades da Região dos Lagos. Sem contar que uma parte do território da cidade de Silva Jardim é protegida pela Reserva Biológica Poço das Antas, que pertence ao governo federal, e é destinada à preservação da Mata Atlântica.
E eis que a moradora de Niterói (RJ) e mãe de três filhos já adultos se tornou fazendeira. A opção pelo cultivo orgânico era mais do que “natural” para ela que sempre esteve próxima do vegetarianismo. Acabar com o capim e plantar uma floresta de eucalipto em uma parte da fazenda foi a primeira providência. A segunda, estudar seus cantos e contornos e fazer o plantio consorciado com os alimentos que cada canto “pedia”.
Aos poucos, os empregados foram chegando. Todos com suas carteiras de trabalho devidamente assinadas. Em 2015, duas fábricas artesanais foram implantadas: a de farinha de mandioca integral e goma de tapioca fresca e a de canjiquinha e fubá.
Nos últimos tempos, a “novidade” é a exploração do agroturismo, quando visitantes passam um dia na roça com direito a passeio pela propriedade, plantio e, claro, comida de fazenda com os produtos da fazenda.
Às vezes, Anita também vai pessoalmente vender seus produtos nas feiras orgânicas. Na fazenda, todos os dias ela percorre quilômetros checando as condições dos produtos e removendo pragas. Sempre acompanhada de vários cachorros, todos adotados, ou melhor, que adotaram a fazenda para viver. Bem como outros tantos gatos, mas estes, preferem a sombra da varanda da casa, mesmo. E se um dia você for na Dom Bosco, tenha cuidado porque uma manga cheirosa pode cair na sua cabeça. Ou você pode encontrar alguma celebridade televisiva como Bela Gil e Regina Casé que já foram na Dom Bosco gravar seus programas, respectivamente, Bela Cozinha e Um pé de que?
O desafio de gostar de quiabo
Tem horror de quiabo por causa da baba? Aqui, uma receita da Anita que vai fazer você descobrir que gosta mais de quiabo do que imagina!
Lave bem o quiabo e pique em pedaços não muito pequenos.
Em uma frigideira, coloque azeite e bastante alho sem ser muito picado.
Quando estiver bem quente, coloque o quiabo cru e deixe refogar rapidamente.
Ainda na frigideira, polvilhe sal e pimenta do reino.
Na foto, a flor que enfeita a mesa não é flor,
é erva: alecrim dourado, colhida ao lado da casa.
Plurale completa 10 anos com foco na sustentabilidade
08/08/2017 | redação Plurale
Há uma década acreditando na sustentabilidade como tema principal das histórias que vêm contando, Plurale em revista e em site, dirigidos pelos jornalistas Sônia Araripe e Carlos Franco, vêm divulgando histórias de pessoas, empresas e projetos, abordando temas relacionados ao meio ambiente e iniciativas de cidadania, ação e cultura.
Edição Comemorativa
O número 58 da Plurale em revista, editada pelos jornalistas Sônia Araripe e Carlos Franco e dedicada a discutir temas relacionados à sustentabilidade, anuncia os dez anos deste projeto editorial, comemorado em agosto e traz: o case da RPPN Sesc Pantanal, no Mato Grosso, que conjuga, há 20 anos, conservação da biodiversidade, turismo e desenvolvimento local. A repórter Isabel Capaverde esteve lá e conta todos os detalhes desta história que se mistura com a da publicação, que já esteve outras duas vezes. Também nestas páginas ensaio incrível da Editora de Fotografia, Luciana Tancredo. É o começo de uma série que revisita lugares e entrevistados ao longo desta nossa década de trajetória pela mídia sustentável.
Do outro lado do planeta, Vivian Simonato relata a peregrinação com o seu pai, Ariston Breda Simonato, pelo Caminho Francês de Santiago de Compostela. O repórter Hélio Araújo também foi peregrino, mas pelo Caminho Português e nos apresenta a emoção e fé desta caminhada.
A edição traz também artigos inéditos dos Colunistas Plurale Giuliana Preziosi e Dario Menezes e uma entrevista exclusiva com o parceiro e guru da mídia sustentável, André Trigueiro, editor do programa Cidades e Soluções, da GloboNews, que também comemora 10 anos.
De Minas Gerais, o repórter Hélio Rocha revela a pressão para que a Samarco volte a funcionar depois do desastre ambiental de 2015. Como juntos somos mais fortes, apresentamos matéria Especial da Amazônia, por Claudia Silva Jacobs, dos parceiros do Projeto Colabora, sobre os riscos em torno de projeto da mineradora canadense Belo Sun, com fotos espetaculares de André Teixeira. A equipe Plurale esteve também no famoso Festival Internacional de Cinema Ambiental, o FICA 2017, realizado na Cidade de Goiás (GO), terra natal da poetisa Cora Coralina.