Mapa holandês de 1647 vai guiar pesquisadores brasileiros até os primeiros quilombos do país
- Sônia Apolinário

- há 10 horas
- 3 min de leitura

Logo que começar 2026, serão dados os primeiros passos de uma escavação arqueológica que poderá esclarecer detalhes sobre a vida em liberdade de pessoas negras que, durante o período colonial, viveram nos quilombos dos Palmares.
Sim, quilombos, no plural. Pesquisadores estimam que existiram, pelo menos, dez quilombos anteriores ou posteriores a Palmares, em Alagoas.
Leia também: UFF participa de pesquisa internacional sobre a relação entre comércio de escravizados e o desenvolvimento europeu
Agora, um mapa holandês, produzido em 1647, vai ajudar a guiar uma equipe formada por arqueólogos, geógrafos, historiadores e antropólogos da Universidade Federal de Alagoas (UFAL- Campus Sertão) e da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), em direção a vestígios do que seriam os quilombos mais antigos fundados na região, entre os estados de Pernambuco e Alagoas.
O mapa
O mapa em questão foi descoberto, em 2021, na biblioteca da Universidade de Harvard (EUA), pelo cartógrafo histórico Levy Pereira que faz parte da equipe das escavações.
O documento integra a versão original manuscrita do “Brasilia Qua Parte Paret Belgis” (A parte do Brasil que pertence aos Neerlandeses), do matemático e naturalista George Marggraf. O material era usado pelas expedições holandesas (1644–1645) que caçavam, no Brasil, comunidades de escravizados fugitivos.
Nos últimos quatro anos, enquanto aguardavam o financiamento que permitiria as escavações, pesquisadores fizeram a transposição do documento histórico sobre uma base cartográfica atual.
Além do mapa “atualizado” nas mãos, os pesquisadores que seguirão a campo, a partir de janeiro, também contarão com a ajuda de imagens de satélite, drones e GPS para localizar os quilombos, além de detectores de metal para a realização de varreduras do solo.
O mapa indica três locais distintos. Dois estariam situados nos atuais municípios de Correntes e Lagoa do Ouro, no Agreste de Pernambuco; o terceiro seria na região de Chã Preta e União dos Palmares, em Alagoas.
Segundo o documento holandês, o primeiro estaria abandonado; o segundo, parcialmente destruído e também abandonado; já o terceiro, ativo, em 1647, quando o mapa foi elaborado.
Nas escavações, os pesquisadores pretendem encontrar vestígios que revelem detalhes do cotidiano da população que viveu nos quilombos como, por exemplo, como cultivavam a terra, coletavam, caçavam, faziam seus rituais e enterravam seus mortos.
- Os holandeses viam esses quilombos como ameaça real. O que nós sabemos pelos relatos históricos é como eram as cercas que fortificavam os quilombos; que as casas eram de madeira e que eles produziam uma cerâmica diferente da indígena. Sobretudo, sabemos que os quilombolas dominavam a fundição do ferro – afirmou, em entrevista para o site alagoano BR104, o arqueólogo Onésimo Santos, um dos coordenadores da pesquisa ao lado do também arqueólogo Flávio Moraes, ambos da UFAL – Campus Sertão.
O trabalho, financiados pela Fundação Cultural Palmares (FCP), terá a duração de 18 meses. As escavações contam com autorização do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).
Leia mais: Nos passos da invisibilizada Niterói negra
Palmares
Instalado na Serra da Barriga, no município de União dos Palmares, em Alagoas, o Quilombo dos Palmares foi um Estado autônomo que resistiu por quase cem anos aos ataques holandeses, luso-brasileiros e de bandeirantes paulistas.
De acordo com historiadores, foi fundado em 1590 pela princesa congolesa Aqualtune. Teria sido o último dos quilombos da região.
- Nossa história foi fincada sempre nas bases do colonizador. Os povos afro-indígenas, intencionalmente, foram apagados ou foram retirados, ou foi minimizada a sua participação na nossa história – afirmou Flávio Moraes para o G1.
Segundo ele, somente a partir das décadas de 1970 e 1980, a historiografia começou a mudar e dar importância à perspectiva negra e indígena, e alguns documentos passaram a receber, também, esse olhar.
Participam da pesquisa, além de Levy Pereira, Onésimo Santos e Flávio Moraes, o geógrafo e arqueólogo Daniel Ferreira, os historiadores Bruno Miranda, da UFRPE, Felipe Damasceno, Danilo Marques e Zezito Araújo, e o antropólogo Vágner Bijagó, no Neabi da UFAL-Campus Sertão. Também integra a equipe Leandro Pereira, responsável pelo registro audiovisual.
































Comentários