Vinho de frutas tropicais é destaque em cidade do interior de Minas Gerais
- Sônia Apolinário
- há 23 minutos
- 5 min de leitura

Depois do açaí do Amapá, frutas de Minas Gerais estão reforçando a carta de vinhos brasileiros. Jabuticaba, goiaba, laranja e manga orgânicas produzidas em São Gonçalo do Rio das Pedras fazem parte do portfólio de vinhos de baixa intervenção da Terra Guayi - um projeto agroecológico familiar.
O trabalho desenvolvido pelo casal Bruno Feu e Mariana Pereira resgata uma antiga tradição da região, que já foi produtora de vinho de uva. Distrito de Serro, São Gonçalo do Rio das Pedras faz parte da Estrada Real. O local tinha na extração de diamante, à beira do rio Jequitinhonha, a principal atividade econômica. A região costumava ter vinícolas, mas uma doença atacou as videiras e as uvas sumiram do lugar.
Leia também: #resenha: 'Vinhos' de açaí e cupuaçu do Amapá
Graças a comunidades quilombolas, a jabuticaba passou a ser abundante por lá. Na tradicional festa de Folia de Reis, é costume, até hoje, servir vinho de jabuticaba.
- Na região, todos têm suas receitas familiares de vinho de jabuticaba – contou Bruno.
Paulista, ele trabalhava na área de TI quando começou a se interessar por algo totalmente diferente: pesquisa de sementes. Acabou por comprar terras em São Gonçalo do Rio das Pedras que já vinham “abastecidas” de pomares.
Aos poucos ele descobriu que a abundância de frutas na cidade era vista como um problema pelos moradores. Problema esse que logo chegou até ele, ao se deparar com o chão das suas terras forrado de mangas que caíam das quatro frondosas mangueiras da propriedade.
O destino das frutas, segundo ele, era virar comida dos porcos criados pelos vizinhos. E ainda tinha as goiabas, as jabuticabas e as laranjas.
Comercializar as frutas pode parecer uma solução, “óbvia”. Porém, como observou Mariana, as frutas da região não tinham o “padrão Ceasa”, ou seja, não eram intactas, perfeitas, o que dificultava a venda em mercados fora da região.
Fazer doces foi algo que Bruno até tentou. Porém, foi a tradição do vinho de jabuticaba que acendeu nele uma inspiração. Ele, porém, escolheu a manga para fazer seu primeiro vinho, há dez anos.

- Ficou horrível. Fiz muita coisa errada. As pessoas até ensinam a fazer vinho de frutas, mas não contam o pulo do gato. Tive que aprender sozinho, mesmo – contou ele que se debruçou em todo o material disponível da Embrapa sobre produção de vinho de uva e “entendendo o que cabia para as frutas tropicais”.
Foi somente agora, em 2025, que o vinho de manga da Terra Guayi saiu clarinho. Como o casal queria.
- Cada fruta tem seu tempo certa da maceração alcoólica, que é a primeira fermentação. Com a manga, a oxidação pega fácil a fruta. A cada ano, aprimoramos os detalhes da produção. No caso da manga, é a única das nossas frutas que a fermentação não chega ao final do açúcar. Por isso, o vinho de manga é demi-sec enquanto os outros são secos – informou Mariana.
Mineira de Belo Horizonte, ela trabalhou em bares e se interessava cada vez mais pela área holística. Em busca de uma aproximação maior da natureza, foi parar em São Gonçalo do Rio das Pedras em 2020.
Em princípio, ficou triste com a visão dos moradores de que fruta era sinônimo de mais trabalho na roça e sujeira. Depois, se encantou com o trabalho de fermentação das frutas que estava sendo desenvolvido por Bruno. Os dois começaram a trabalhar juntos e a parceria deu frutos.
Criar vinhos de mínima intervenção passou a ser a meta do casal. Bruno chegou a usar leveduras de vinho de uva, mas não gostou do resultado. Partiu, então, para a fermentação espontânea.
Agora, a Terra Guayi tem quatro rótulos: O Propósito (Jabuticaba, entre 12% e 15% de teor alcoólico), Sintropia (manga, entre 8% e 11%), Abundância (goiaba, entre 8% e 11%) e Surpresa (laranja, 9%).
Rótulos que frequentam a tradicional feira Naturebas, em São Paulo. São encontrados no Armazém do Campo, também em São Paulo, e na Gira, uma loja de vinhos no Mercado Novo, em Belo Horizonte, a capital mineira (que também tem vinho de açaí). Ainda é possível encontra-los na cidade mineira de Diamantina, além da loja da própria Terra Guayi. Cada garrafa custa, em média, R$ 100.
A produção anual da Terra Guayi é de, no máximo, duas mil garrafas de todos os rótulos. O vinho de jabuticaba é o único que passa por barrica, no caso, seis meses em tonel de carvalho – uma providência para “amaciar” o tânico provocado pela casca da bebida.
É o preferido de Bruno, principalmente para ser degustado à noite, em épocas mais frias. Já para beber durante o dia, ele prefere o de goiaba. Segundo o produtor, de todos os seus rótulos, esse é o que mais lembra o tradicional vinho tinto de uva.

Já Mariana está encantada com a atual safra do vinho de manga (feito com os tipos Espada e Coquinho), “complexo sem exagero”, segundo ela. A produtora elege o de goiaba (que remete ao vinho branco de uva) como o vinho que cai bem para se beber a qualquer hora.
Em relação ao vinho de laranja, é o único feito a partir do suco da fruta. A vinificação da fruta começou há dois anos e o rótulo ganhou o nome de Supresa quando o casal identificou notas de café na bebida.
- Apostar no vinho de frutas tropicais foi um desafio que valeu a pena porque levamos a abundância para outro patamar. Temos que desmarginalizar nossas frutas – afirmou Mariana.
- O vinho de baixa intervenção nunca é igual um do outro. Dois vinhos de uma mesma safra podem ser diferentes. A Gente deixa o vinho se tornar o que ele é – completou Bruno.
Atualmente, o casal compra frutas dos vizinhos para dar conta da produção dos vinhos. A vinificação é feita na Funivale, onde ficam os toneis da Terra Guayi.
Agora, o casal está às voltas com testes de fermentação do abacaxi. A fruta, segundo Mariana, espuma muito e, portanto, seu “caminho natural” será torna-la não um vinho, mas um espumante.
A Cabajantá, uma fruta típica do cerrado, cuja colheita é próxima da goiaba, também está na mira dos testes do casal que também começou a produzir hidromel de cúrcuma.
- É comum as pessoas quererem comparar nossos vinhos com os de uva, mas não bebidas diferentes, que rompem paradigmas. Quando as pessoas provam o nosso, sempre exclamam: ‘como é diferente!’. É diferente, mesmo. É uma nova bebida. O importante é que são vinhos que fortalecem a autenticidade enquanto natureza. São vinhos que respeitam a fruta – afirmou Mariana.

























