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  • Sônia Apolinário

As mulheres de Matisse

Mãe e filha em uma cozinha experimentando uma receita, é bem possível que todos achem uma situação normal, corriqueira. Porém, se a receita em questão for de uma cerveja? Essa é uma “situação corriqueira” para a Matisse, uma cigana de Niterói (RJ). Lá, mãe e filha é que estão à frente do processo de fabricação da bebida, que envolve toda a família.

Nessa história, há um punhado de acaso e pitadas de oportunidade. O ingrediente especial fica por conta da curiosidade que todos sempre tiveram para conhecer novos sabores de cerveja. Uma característica da família também ajudou bastante. Por lá, quase todos são engenheiros, sendo que a mãe Maria Antônia e a filha Nádia são engenheiras químicas.

Foi graças a Nádia, a mais velha dos quatro filhos, que a produção de cerveja entrou na história da família. E por acaso. Ao ajudar um colega da UFRJ em um trabalho de mestrado, ela saiu em busca de alguns equipamentos e se deparou com guias de lojas especializadas em produção de cerveja.

De pura farra, reuniu colegas da universidade e foi “brincar” de fazer a bebida na cozinha de casa. O ano era 2012 e Nádia ainda morava com os pais em Camboinhas, região oceânica de Niterói.

“Compramos o equipamento e peguei na internet uma receita bem simples de uma APA que usava dois maltes e um tipo de lúpulo. A cerveja ficou gostosa. Fiquei animada e continuei fazendo por pura diversão”, conta Nádia.

Ela, porém, se mudou para o Rio de Janeiro. Resultado: pedia para os pais “tomarem conta” da sua cerveja na fase de maturação. Maria Antônia tomou à frente dessa tarefa. Quando se deu conta, percebeu que degustar a cerveja feita pela filha tinha se tornado um programa familiar onde todos se reuniam para dar palpites e, principalmente, se divertir.

“A família foi se envolvendo e cada um lançava um desafio para a próxima produção. Reuníamos também os amigos para a degustação e a cerveja fazia sucesso”, conta Maria Antonia que durante 30 anos trabalhou na Petrobras como engenheira de processamento.

Em 2017, ela e o marido Mario Jorge se aposentaram. Foi quando Maria Antonia lançou o desafio em casa: lançar uma marca no mercado. Enquanto todos quebravam a cabeça para definir o nome da cervejaria, ela se matriculou em um curso de Tecnologia Cervejeira oferecido pelo Senai, no Rio de Janeiro.

No ano seguinte, ela, Mario Jorge e Nádia participaram do Brewers Retreat, um evento

cervejeiro em Boothbay Harbor (Maine, EUA) que promove brassagens coletivas com grandes cervejarias, no caso, Dogfish Head, Alagash Brewing, Cambridge Brewing e Side Project Brewing.

No final de 2017, a American Pale Ale Amélie chegou ao mercado. O nome é uma homenagem à esposa do artista Henri Matisse.

“Entendemos que fazer cerveja também é fazer uma obra de arte e nós nos identificamos com Matisse. Por isso, escolhemos esse nome para a nossa cervejaria”, explica Maria Antonia que deixa com o marido a parte de vendas.

Nádia, de 31 anos, também trabalha na Petrobras. Ela confessa que, às vezes, ainda se “assusta” com o fato de ter se tornado mestre cervejeira de uma marca profissional:

“Eu estava só brincando”, comenta ela, divertida.

Ela também estranha o fato de as pessoas se surpreenderem quando sabem que são duas mulheres que comandam a produção da Matisse:

“Eu trabalho em uma refinaria, em Duque de Caxias (Baixada Fluminense). Lá é um ambiente bem masculino, mas, proporcionalmente, tem muito mais mulheres do que no mercado cervejeiro. Não sei porque tem poucas mulheres produzindo cerveja. É verdade que tem um pouco de trabalho braçal e isso, às vezes, pode desanimar as mulheres”, comenta Nádia.

Dentro da nova “linha de produção” da família, ela cria as receitas a partir dos “pedidos” feitos pelos pais. Maria Antonia assume a brassagem para testar o material enviado pela filha. E o caçula Tulio, entra em cena para cuidar da fermentação.

“Ele é engenheiro de bioprocessos. Ele é quem entende dos bichinhos vivos”, diverte-se Nádia.

Somente depois de satisfeitos com os testes feitos na cozinha de casa (ainda em Camboinhas) é que a receita segue para ser produzida na cervejaria Lagos, em Saquarema (RJ). Ao todo, a Matisse já lançou quatro rótulos: Amélie (APA), Lydia (Specialty IPA com café verde), Cézanne (Fruit Sour com pêssego) e Saboya (Catharina Sour com uvaia, fruta com alto teor de vitamina C, nativa da Mata Atlântica). O quinto está prestes a chegar ao mercado.

Não perguntem para Maria Antônia qual é o seu rótulo preferido. Ela admite que é como perguntar qual dos filhos ela gosta mais:

“Queremos mostrar a nossa cara, uma cerveja realmente artesanal com qualidade na sua elaboração. A graça de ter uma empresa quando se é aposentado é poder fazer o negócio ser algo divertido. Gostamos de trabalhar em família. É interessante perceber o estranhamento do mercado quando sabe que são as mulheres da família que puxam o negócio. Mas depois do estranhamento inicial, o que fica é a qualidade da cerveja que está tendo uma aceitação muito positiva”, afirma Maria Antônia.

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