top of page

Um passeio pela memória da ditadura brasileira em Niterói

  • Foto do escritor: Sônia Apolinário
    Sônia Apolinário
  • 5 de ago.
  • 4 min de leitura

A 76ª DP, no Centro, abrigou o Departamento de Ordem Política e Social (DOPS) em Niterói
A 76ª DP, no Centro, abrigou o Departamento de Ordem Política e Social (DOPS) em Niterói

Em Niterói, pelo menos nove locais têm suas histórias atreladas ao período em que o país viveu sob ditadura (1964–1985) - seja como espaço de repressão, seja como palco de resistência.

 

Transformá-los no “Caminho da Memória, da Verdade e da Justiça” é o que propõe um Projeto de Lei de autoria do vereador Sylvio Mauricio (PT), em início de tramitação na Câmara Municipal.


 

A ideia é que os locais sejam identificados com placas, sinalizações e memoriais que permitam à população, especialmente às novas gerações, “o conhecimento crítico sobre os acontecimentos que marcaram a história recente do país e da cidade”, como diz o vereador:

 

- O Caminho da Memória é uma política pública que transforma a cidade em sala de aula viva, que honra os que resistiram e denuncia os que torturaram. Niterói foi palco de repressão, mas também de luta. E é nosso dever garantir que essa história nunca mais seja silenciada.

 

Segundo Sylvio Mauricio, o PL 299/2025 se baseia em experiências como o Memorial da Resistência (SP), a Trilha da Memória (RS) e os “lugares da memória” existentes em países como Argentina, Chile e Alemanha.

 

O Caminho

 

O passeio pela memória da ditadura brasileira, na cidade, pode ter como ponto de partida a própria Câmara dos Vereadores, na Avenida Amaral Peixoto, no Centro de Niterói. O prédio que abriga o parlamento municipal foi inaugurado em 1917. Sediou a Assembleia Legislativa até 1975, quando houve a fusão dos antigos Estados do Rio e da Guanabara. Vários dos seus parlamentares da época foram cassados. O vereador de Niterói José Maria Cavalcanti também foi cassado por ser ligado ao PCB.

 

Quem está de frente para o prédio da Câmara encontra, à esquerda, a 76ª Delegacia de Polícia Civil. O local abrigou o Departamento de Ordem Política e Social em Niterói (DOPS-RJ)   tendo servido também como prisão. Há relatos e documentos que apontam o endereço como local onde foram realizados interrogatórios e torturas – existem mais de mil registros neste sentido, feitos até 1975, segundo a Comissão da Verdade. 

 

À direita da Câmara dos Vereadores encontra-se o colégio Liceu Nilo Peçanha. O prédio foi construído em 1918 e, atualmente, é uma instituição pública de Ensino Médio, que pertencente à rede estadual de educação do Rio de Janeiro. Em sua história, o estabelecimento foi extinto e reinaugurado algumas vezes, trocando nomes, fundindo-se e desmembrando-se da Escola Normal de Niterói, até obter a conformação atual.

 

O Liceu foi centro de efervescência do movimento secundarista em Niterói. Abrigou congressos e diversos debates da juventude, entre estudantes universitários e secundaristas, sobretudo, de alunos que participaram de movimentos de resistência à ditadura, inclusive um dos principais, o MR-8. 

 

Em uma das extremidades de Niterói, na Ponta D’Areia, se encontra a quarta “atração” do Caminho: o Centro de Armamento da Marinha (CAM), onde funcionou o Centro de Informações da Marinha (CeniMar). Era para lá que os presos políticos eram levados após passarem pelo DOPS e serem  torturados física e psicologicamente.

 

O CAM  atuou em “parceria” com o Caio Martins, em Icaraí - o primeiro estádio utilizado como presídio político, na  América Latina. A experiência do complexo esportivo virou uma espécie de modelo para ditaduras de outros países, como a do Chile. O Caio Martins se tornou prisão política, imediatamente após o golpe, com a justificativa de aprisionar aqueles considerados subversivos e potencialmente ameaçadores à nova ordem que se instalava. Dos 339 presos confirmados que passaram pelo Caio Martins, pelo menos 89 deles estiveram também no CAM.

 

O Caminho da memória da ditadura passa também pelo Barreto por conta do Sindicato dos Operários Navais do Estado. O Sindicato dos Operários Navais de Niterói e São Gonçalo já esteve em posição de destaque no sindicalismo nacional da década de 1950, até às vésperas do golpe (conta, ainda hoje, com protagonismo local e regional). Devido ao seu processo histórico de luta contra as repressões do estado, no dia do golpe militar, 1º de abril de 64, o Sindicato foi invadido. Alguns de seus diretores se esconderam para não serem detidos, mas, dias depois, a prisão foi inevitável. Esses momentos foram lembrados no Testemunho da Verdade que aconteceu dia 25/09/2013, na sede da entidade sindical, em evento realizado pela Comissão da Verdade do Rio e a Comissão da Verdade em Niterói e com participação da CNV.

 

A Universidade Federal Fluminense contribui com duas paradas, nesse passeio: a própria reitoria e o Diretório Central dos Estudantes Fernando Santa Cruz.

 

Na UFF, o processo de repressão e perseguição política promoveu uma  “caça às bruxas” na instituição, iniciado no imediato pós-31 de março. A intervenção das ditaduras nas universidades resultou num expurgo das esquerdas e na privatização do ensino superior.

 

A UFF e a UnB foram as duas universidades que mais sofreram com este processo à época, resultando em diversas perseguições, prisões, assassinatos e desaparecimentos de estudantes e professores. Entretanto, a universidade também foi palco de importantes movimentos e articulações de resistência ao regime ditatorial.

 

Esse papel coube ao Diretório Central dos Estudantes Fernando Santa Cruz (DCE UFF), conhecido por ser o maior da América Latina. Na história, o DCE foi um dos principais centros de aglutinação de resistência à ditadura. Levantando a bandeira da democracia no país, os estudantes responsabilizaram-se por cumprir sua tarefa histórica, deixando como herança muitas conquistas. O nome do Diretório homenageia Fernando Santa Cruz, estudante de direito da UFF e militante do movimento estudantil que, aos 26 anos, foi assassinado pela ditadura militar.

 

O passeio pelo caminho da memória termina em outro extremo da cidade, em Jurujuba, onde se situa a Fortaleza de Santa Cruz da Barra. Criada para proteger a entrada da Baía de Guanabara, com pedra fundamental datada de 1555, no período da ditadura, confinou presos políticos, militares cassados nos atos iniciais do governo e prisioneiros comuns. Serviu como presídio logo nos primeiros dias da implantação do regime militar, com diversos relatos sobre maus tratos e violações aos direitos humanos. Sua história macabra é contada nas visitas guiadas feitas, atualmente, no local.


ree

Comentários


Destaques
Últimas

© Todos os direitos reservados Comunic Sônia Apolinário 

bottom of page