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  • Sônia Apolinário

Viradouro levará para a avenida o 'Carnaval redentor' pós epidemia de Gripe Espanhola de 1919

O Carnaval 2022 da Viradouro vai voltar 103 anos no tempo. A atual escola de samba campeã do Grupo Especial do Rio de Janeiro vai reviver a folia de 1919, a primeira após a pandemia da Gripe Espanhola que assolara o país no ano anterior. Semelhanças com os tempos atuais? Muitas, mas não somente por estarmos enfrentando outra pandemia.

De acordo com Marcus Ferreira, um dos carnavalescos da agremiação de Niterói, aquele Carnaval criou os moldes da festa como a conhecemos atualmente. Inclusive, com a chegada do samba à folia. Até então, o maxixe era o ritmo do Carnaval carioca.


Em 2020, logo após a escola ter se sagrado campeã no Sambódromo do Rio de Janeiro, a pandemia do Coronavírus “chegou” ao Brasil e mudou a vida de todos. Foi uma reportagem que chamou a atenção dos responsáveis pela escola da importância que teve o Carnaval de 1919 para o carioca e, de quebra, para o restante do país.


“Tivemos muita cautela para buscar entender o momento que estávamos vivendo. Entendemos que o próximo carnaval seria muito emocional. A matéria do jornal mostrava a importância que a festa teve até para quebrar o medo que as pessoas estavam de sair de casa. Decidimos mergulhar nessa história”, conta Marcus que divide os trabalhos de carnavalesco da Viradouro com Tarcísio Zanon.


Assim, o enredo para o próximo carnaval da escola foi escolhido: "Não há tristeza que possa suportar tanta Alegria". Seu desenvolvimento teve como uma das principais inspirações a obra "Metrópole à Beira-mar, o Rio Moderno dos anos 20”, de Ruy Castro, mais precisamente, o capítulo “O carnaval da guerra e da gripe”, que fala das comemorações do Carnaval de 1919, após a epidemia da gripe espanhola e da Primeira Guerra Mundial.



Naquela época, ninguém poderia imaginar, porém, que o Carnaval de 2021 seria cancelado. Após um momento inicial de paralisação, os trabalhos no barracão seguiram, de forma lenta, desde então. O desfile de 2022 chegou a ser cancelado, mas o trabalho continuou. No final, acabou sendo apenas adiado de fevereiro para abril - pelo menos, até o momento. A Viradouro desfila no dia 22.


Com ensaios técnicos no Sambódromo ainda proibidos, as alas coreografadas da escola estão ensaiando na Cidade do Samba, no Rio de Janeiro. As demais, na quadra da Viradouro onde, de acordo com Marcus, o uso de máscara é obrigatório para todos o tempo todo. E o acesso à quadra só é permitido mediante apresentação do passaporte vacinal. A escola desenvolveu um aplicativo que ajuda a conferir se seus componentes e visitantes estão com o calendário de vacinação contra a Covid-19 em dia.


“Estamos fazendo tudo com muita cautela, pensando na saúde dos profissionais envolvidos. Estamos esperançosos que vamos, sim, desfilar em abril. Nós confiamos na ciência e acreditamos nos estudos que sinalizam uma diminuição dos casos de contágio até lá. Acreditamos que teremos, mais uma vez, um carnaval redentor para a população”, comenta Marcus.


Dentre os achados das pesquisas feitas para o desenvolvimento do enredo, além da chegada do samba ao Carnaval carioca, 1919 marca também o primeiro desfile do Cordão do Bola Preta. O bloco que arrasta quase dois milhões de foliões pelo centro do Rio de Janeiro, em tempos carnavalescos “normais”, será devidamente homenageado pela Viradouro.


“Vai ser um momento bem legal do desfile”, afirma Marcus.


Na avenida, a escola vai mostrar como foram os quatro dias de folia carnavalesca, em 1919. Começa com a reabertura do comércio, com as pessoas comprando tecidos, fantasias e perucas – uma das sequelas de quem sobreviveu à doença foi a perda de cabelo. É hora de relembrar locais como a Casa Buis (de artigos carnavalescos) e a loja de tecidos Casa das Fazendas Pretas.


Além do Bola Preta, 1919 marca também o primeiro ano do Bloco do Eu Sozinho. E várias outras antigas agremiações desfilarão no Sambódromo também como a Borboletas Negras, bloco feminino que desfilou na Praça Onze em 19; Caxangá (foto ao lado), o grupo carnavalesco de inspiração afro-nordestina; a Grande Sociedade Furrequinha, que desfilava no bairro do Barreto (foto no alto), em Niterói; e os Guerreiros Paladinos, bloco de homens pretos da Cidade Nova.


O temível bonde que recolhia os mortos pela cidade voltará a circular. Agora, decorado para o Carnaval e convidando a todos para o embarque na folia. Os reencontros entre familiares e amigos, então separados pela doença, também não foram esquecidos e serão revividos pelo carnaval da Viradouro.


A escola também levará para a avenida os Cocotas Emplumadas (bloco de homens travestidos de Galinhas em uma alusão à dita curativa canja de galinha); o Chá da Meia-Noite (alegoria que representa a lenda urbana de um chá mortal oferecido aos doentes na Santa Casa de Misericórdia); a Barca da Vitória, outra alegoria, dessa vez, alusiva ao fim da 1ª Guerra Mundial e a Hespanhola (carro alegórico de leque espanhol).


Segundo Marcus, não haverá referência às vítimas da Covid. Uma homenagem ainda em estudo é para os profissionais da área da saúde.


“Em 1919, o carioca estava com medo de sair de casa e o Carnaval ajudou as pessoas a voltarem para as ruas. Hoje, as pessoas não estão com tanto medo assim de sair de casa, por conta da vacina. Naquela época, não havia vacina nem hospitais públicos. Tanto hoje quanto antes, a Ciência fez tudo o que pode para livrar as pessoas da doença”, compara Marcus.


Ele informa que a Viradouro vai para o Sambódromo completa, com 3.200 componentes, distribuídos em 26 alas. A escola vai apresentar seis alegorias e três tripés.


Ser a última campeã antes do “carnaval redentor” é um peso?


“Não, ser a campeã não é um fardo. A escola está incansável, desde o ano passado. Estamos trabalhando muito. É claro que queremos ganhar outra vez, mas o título é consequência, é algo que se conquista na hora do desfile”, afirma Marcus, à esquerda na foto, onde aparece ao lado de Tarcísio Zanon



Ouça o samba-enredo da Viradouro 2022



A gripe espanhola no Brasil


“Ao longo do período pandêmico, registraram-se mais de 35 mil mortes em todo o Brasil. O Rio de Janeiro, maior núcleo urbano do país, apresentou o número de óbitos mais elevado. Em dois meses faleceram cerca de 12.700 pessoas, cerca de 1/3 do total registrado no país, para uma população de quase um milhão de habitantes. O momento crítico deu-se em meados de outubro, quando a Diretoria Geral de Saúde Pública admitiu a impossibilidade de a gripe ser controlada. A cidade estava parada. Colégios, quartéis e fábricas interromperam suas atividades. Havia falta de alimentos, de remédios, de leitos e até de caixões. A pedido do presidente da República, Venscelau Brás, o médico sanitarista Carlos Chagas liderou o combate à gripe espanhola implantando 27 pontos de atendimento à população na capital federal.


Embora a gripe espanhola tenha efetivamente atravessado toda a pirâmide social, sua feição “democrática” deve ser olhada com atenção, pois a maioria das vítimas provinha das camadas populares e daqueles grupos chamados pelas autoridades de indigentes. De todo modo, a doença vitimou até o presidente eleito, Rodrigues Alves, que não pode tomar posse na presidência em 15 de novembro de 1918 e morreu em janeiro de 1919".








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