Vinho de açaí: promessa de atração na carta de bebidas para autoridades da COP 30
- Sônia Apolinário
 - há 2 horas
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A propaganda quem fez foi o presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva. Em um vídeo relacionado com a realização da 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança Climática (COP30), que acontece entre os dias 10 e 21 de novembro, em Belém do Pará, ele afirmou com todas as letras:
“Na COP 30, ninguém vai precisar tomar vinho francês, espanhol, italiano. Vai tomar um vinhozinho produzido no Amapá, de açaí. Para mostrar a riqueza da bioeconomia para os estrangeiros que vierem visitar a nossa querida cidade de Belém”.
O vídeo chamou a atenção para a produção da bebida e acendeu esperanças entre os produtores que sonham em conseguir aumentar a produção e ver seus vinhos sendo comercializados em todo o país.
Porém, até o fechamento desta matéria, a uma semana do evento, nenhum produtor ainda havia sido procurado pela organização da Conferência para adquirir os vinhos de açaí.
Quem informou isso para o #ComuniC foi João Capiberibe. Ex- prefeito de Macapá (1989 e 1992), ex-governador do Amapá (1995 e 2002) e ex-senador pelo PSB (2011 a 2019), hoje ele é “apenas” o empresário à frente da açaícola Flor da Samaúma – que produz vinho de açaí e promove ecoturismo com passeios e degustações da bebida. A empresa também desenvolve fermentados de Cupuaçu e Taperebá.
Capiberibe, de 78 anos, é um dos mais atuantes dentre os cinco produtores do AçaíTinto. A Flor da Samaúma já lançou dez rótulos, com teor alcoólico variando entre 10% e 14%. A produção da empresa é de mil garrafas por mês.
Foi em 2021 que Capiberibe conheceu o vinho de açaí ao ser presenteado com uma garrafa. Ficou encantado com a bebida não apenas pelo sabor, mas por perceber que o produto poderia fortalecer a bioeconomia da região “e mostrar que a floresta em pé pode virar negócio limpo e digno”.
Embrapa
Uma das primeiras providências de Capiberibe foi levar o vinho de açaí para ser analisado pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária. Em julho de 2023, a Embrapa publicou um artigo em que afirma que o fermentado de açaí tem propriedades similares às do vinho tinto.
"Na composição mineral, a bebida apresentou uma semelhança com fermentados de uvas Chardonnay e valores superiores aos de frutas como jaca, maçã e morango, coerentes com a composição do açaí”, informa um trecho do artigo.
Os pesquisadores consideraram o produto “límpido, encorpado e com adstringência típica de vinhos secos” tendo destacado também o brilho e o aroma de fruta.
A legislação brasileira estabelece que os valores de acidez total para o vinho tinto podem estar na faixa de 50 a 130 miliequivalentes (mEq) por litro. De acordo com a Embrapa, a bebida de açaí está na faixa de acidez apresentada pelos vinhos de uvas Touriga Nacional, Tempranillo e Petit Verdot.
O teor alcoólico de 12% está dentro dos parâmetros da legislação brasileira, que traz valores entre 8,6% e 14% para vinhos finos. O teor de antocianina (substâncias responsáveis pela coloração pertence à classe dos flavonoides) da bebida de açaí foi compatível com algumas amostras de vinho Syrah e Tannat.
Quanto aos açúcares redutores, a equipe da Embrapa constatou que, de acordo com a legislação brasileira sobre vinhos e derivados de uva, a bebida fermentada de açaí "é compatível com um vinho meio-doce, pois contém 13,5% de açúcares redutores".
Na época, os pesquisadores indicaram como sugestão para aprimoramento do produto corrigir o elevado aroma alcoólico e melhor “calibrar” a tonalidade (então intensa cor vermelha) da bebida.
No artigo, o pesquisador chefe-geral da Embrapa Agroindústria Tropical, Gustavo Saavedra, afirmou:
“O principal desafio é o de criar uma marca característica, que traduza o que é o produto para o grande público consumidor, uma vez que a denominação vinho é exclusiva para a matéria-prima uva”.

Ao fazer contato com Capiberibe para conversar sobre sua bebida, #ComuniC “encontrou” o empresário, ao lado de sua esposa Janete, em um barco, cruzando o rio Amazonas. Dias depois, ele respondeu as perguntas enviadas.
Confira:
ComuniC: O senhor contou que conheceu o vinho de açaí por intermédio de um amigo. O que o motivou a produzir também?
JC: Eu e Janete aprendemos a fazer vinho no Chile — não só fazer, mas também apreciar. No Natal de 2021, ganhei do amigo Picanço uma garrafa do Florisa Wine, criado pelo Marcos Jr., de Rio Branco (AC). Ele fazia cerveja artesanal e, em 2020, resolveu fermentar a polpa de açaí; gostou do resultado, engarrafou e passou a vender pelo Instagram, onde o Picanço comprou e me presenteou.
Quando abri a garrafa e provei, constatei na taça: cor, aroma e estrutura de vinho — era um vinho, de açaí! Isso me motivou a produzir também por dois motivos: primeiro, a curiosidade técnica de aplicar a experiência que trouxemos do Chile a uma fruta nossa; segundo, a convicção de que havia ali um caminho de valor para a Amazônia — agregar renda ao açaí, fortalecer a bioeconomia e mostrar que a floresta em pé pode virar negócio limpo e digno. Por isso decidimos testar, ajustar processos e, depois, compartilhar o conhecimento com outras pessoas, dando origem ao nosso AçaíTinto.
O senhor planta a fruta ou compra de produtores locais para fazer o vinho?
Temos um açaizal nativo que abastece em 50% a necessidade de matéria prima para produção do AçaíTinto, o restante é adquirido dos vizinhos.
Qual a quantidade atual da sua produção de vinho de açaí?
Produzimos 1.000 garrafas por mês, temos 2.000 garrafas em estoque.
Pelas fotos, vi que tem vinho branco também. O processo de produção de vinho com açaí é exatamente o mesmo que o vinho com uva?
O princípio é idêntico — a levedura transforma açúcar em álcool (e CO₂) — embora o açaí exija ajustes de Brix (quanto mais alto o grau Brix, maior a doçura) e nutrientes por causa da sua composição.

Qual a melhor safra de açaí dos últimos tempos que rendeu os melhores vinhos?
Ainda não dá para apontar “a melhor safra”. Falta série histórica comparável: não registramos, safra a safra, variações de cor, aroma e estrutura do fermentado de açaí, nem isolamos o efeito do terroir. O açaí tinto começou a ser produzido em 2022; em termos de vinho, isso é menos de quatro anos de estrada. Está tudo por ser estudado ainda, e pelo visto, o poder público não demonstra o menor interesse.
Qual o preço médio de uma garrafa?
O preço varia de R$ 65,00 a R$ 150,00 a garrafa. Preço médio: R$ 90,00.
O artigo da Embrapa diz que “a bebida fermentada de açaí é compatível com um vinho meio-doce, pois contém 13,5% de açúcares redutores”. Todos os vinhos são doces ou meio seco ou vinho seco também faz parte da produção?
O AçaíTinto pode ser seco, meio-seco ou doce — depende do açúcar residual: se você fermentar até o fim, fica seco; se interromper a fermentação ou adoçar depois, fica meio-seco/doce. Dá para fazer com o açaí o mesmo que se faz com a uva.
O seu amigo segue produzindo vinho de açaí?
Sim! Marcos Jr continua produzindo e melhorando seus fermentados no Acre.
Existem muitos produtores de vinho de açaí na região?
Não! Ampliar a produção é o nosso esforço, estamos em conjunto com a Embrapa, ministrando oficinas de como produzir o AçaiTinto artesanal em casa. Em julho de 2024 ministramos oficina para 30 participantes no Sebrae, que eu saiba, 5 estão produzindo e comercializando seus produtos. Depois fizemos mais duas oficinas envolvendo 80 participantes.
Quando não bebe o vinho, como gosta de consumir açaí?
Quando não estou no AçaíTinto, fico no clássico: açaí com farinha de tapioca de manhã e no almoço. À noite, duas taças do nosso tinto amazônico. E o geriatra, em outubro, carimbou mais dez anos no meu passaporte.
Já recebeu a encomenda do presidente lula de vinho de açaí para a COP 30 ?
Não, até agora não fomos procurados.
O açaí

O açaí é uma palmeira muito comum na região da Amazônia que produz um fruto bacáceo de cor roxa.
A palmeira do açaí é, por vezes, confundida, no estado do Pará, com a palmeira juçara, que dá palmito de excelente qualidade.
Na Amazônia, o açaí é consumido tradicionalmente junto com farinha de mandioca ou tapioca, geralmente, gelado. Há quem prefira fazer um pirão com farinha e comer junto com peixe assado ou camarão, ou mesmo os que preferem o suco com açúcar.
O estado do Pará produz cerca de 820 mil toneladas de açaí ao ano, corresponde a 85% da produção nacional. Os estados do Amazonas e Maranhão também são produtores de açaí. A maior parte do fruto permanece no estado: 60% é consumido na região, 30% é transportado para outros estados brasileiros e 10% exportado para o exterior.
O município de lgarapé-Miri, no Pará, é conhecido como "a Capital Mundial do Açaí", por ser o maior produtor e exportador do fruto no mundo. O açaí é considerado, por muitos, uma iguaria exótica.
O folclore
De acordo com o folclore brasileiro, existia uma tribo indígena muito numerosa na Amazônia. Em uma época, os alimentos estavam escassos. Então, o cacique Itaqui tomou uma decisão cruel: as crianças recém-nascidas seriam sacrificadas para evitar o aumento populacional da tribo.
A filha do cacique, chamada Iaçá (Yasa'i), gerou uma menina que também teve que ser sacrificada. Iaçá, desesperada, chorou várias noites. E pediu a Tupã que mostrasse ao seu pai outra maneira de ajudar o povo, sem o sacrifício das crianças.
Certa noite de lua, Iaçá ouviu um choro de criança. Aproximou-se da porta da oca e viu sua filhinha sorridente, ao pé de uma grande palmeira. Ao abraçar-lhe, misteriosamente, a filha desapareceu. Iaçá, inconsolável, morreu de tanto chorar.
No dia seguinte, seu corpo foi encontrado abraçado ao tronco da palmeira. Porém, no rosto, trazia, ainda, um sorriso de felicidade. Seus olhos estavam em direção ao alto da palmeira, que se encontrava carregada de frutinhos escuros. Itaqui, então, mandou que apanhassem os frutos, de onde obteve um vinho avermelhado que batizou de Açaí ("Iaçá" invertido), em homenagem a sua filha. Alimentou seu povo e, a partir deste dia, suspendeu os sacrifícios.

























