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  • Sônia Apolinário

Livro expõe a íntima relação entre militares e os motéis brasileiros

Por que surgiram tantos motéis, no Brasil, justamente na época em que o país vivia sob ditadura e forte repressão a tudo o que se referia a mudança de costumes? Foi a partir dessa indagação que os jornalistas Ciça Guedes e Murilo Fiuza iniciaram uma investigação sobre o tema. A resposta para essa charada está no livro “Os Motéis e o Poder”, com lançamento na Livraria da Travessa de Niterói no próximo dia 15, a partir das 18h.


E quem diria, o tal “fantasma do comunismo” está por trás do início dessa história. O ano é 1966 e os militares que assumiram o poder com o golpe de 64 precisavam “mostrar serviço”. No caso, promover algum desenvolvimento do país porque, como observa Murilo, o pensamento nos quartéis, à época, dizia que “país pobre é porta de entrada do comunismo”.


“O governo identificou o turismo como uma das indústrias com potencial para alavancar o crescimento econômico do Brasil. Criaram, então, a Embratur. Um dos planos era desenvolver a infraestrutura hoteleira do país. Na época, a indústria automobilística também estava se iniciando por aqui. Então, os militares se inspiraram no modelo de hotéis à beira de estrada dos Estados Unidos, o ‘motorist’s hotel’, que está na origem do nome motel”, explica o jornalista.


A Embratur foi um chafariz de dinheiro público que jorrou sem controle para quem quisesse investir no setor. No Rio de Janeiro, foram os imigrantes portugueses e espanhóis que mais se aproveitaram da situação. Ciça conta que eram eles quem exploravam um negócio bem lucrativo, na cidade, os ditos “hotéis suspeitos” ou de “alta rotatividade”. Não eram propriamente prostíbulos, mas locais a que casais recorriam para a prática de sexo.


“Se no espaço público, os generais proibiam de tudo - da nudez ao sexo, de letras de canções românticas a discurso de paraninfo em formatura, do palavrão aos cabelos longos; nos motéis, tudo era permitido. Adultério, ménage a trois, orgias, homossexualidade, consumo de drogas ilícitas e de pornografia eram tolerados desde que não comprometessem a discrição necessária ao negócio”, afirma Ciça.



No livro, os autores informam que foi entre os anos de 1968 e 1974, que os motéis se espalharam pelas maiores capitais e, depois, chegaram às cidades de porte médio. Expõem, também, as relações íntimas entre vários militares e esses estabelecimentos – vários deles foram sócios de motéis e teve os que tentaram faturar criando um “seguro” para garantir a paz do estabelecimento.


Ao longo de 325 páginas, os jornalistas apresentam fartas doses de informação e muita indiscrição. Sim, nomes são citados e casos notórios, como crimes que tiveram motéis como cenário são relembrados. Por tabela, os autores acabam por construir um painel da evolução dos costumes, no país.


Cada capítulo é conduzido por um personagem principal. Tem padre pedófilo que instigava senhoras a fazer manifestações moralistas; o dono de 600 motéis que financiou um “decreto dos motéis”; políticos e advogados metidos até o talo com contravenção e prostituição; o militar que idealizou um dos motéis mais famosos do Rio de Janeiro e o arquiteto que o projetou.


Os militares usaram motéis como locais de tortura?

“Isso não detectamos. O que descobrimos é que o chefe do serviço de segurança (SNI), o general Newton Cruz, mandava seus subordinados fotografar quem entrava e saía de motéis para fazer chantagem, principalmente, de políticos da oposição. Houve casos também padres opositores ao governo que eram dopados, levados para motéis onde eram despidos e fotografados. O objetivo era destruir a reputação desses religiosos”, afirma Ciça.


“Os Motéis e o Poder” é o terceiro livro escrito pela dupla de jornalistas. Em 2014 publicaram “O caso dos nove chineses” (Editora Objetiva), que revelou o primeiro escândalo internacional de violação dos direitos humanos da ditadura militar brasileira; em 2019, foi a vez de “Todas as mulheres dos presidentes” (Editora Máquina de Livros), que conta a história pouco conhecida das primeiras-damas do Brasil desde o início da República.


“Ao longo da nossa apuração, constatamos que o tema motel ainda é um tabu. Os motéis fazem parte da cultura brasileira, mas não há estudos sobre eles. Tanto é tabu que os editores que procuramos não quiseram publicar o livro. Sem problemas, partimos para a produção independente”, conta Murilo.


Moral da história:


“Até hoje, a imagem que se tem do motel é um lugar sujo e desprezível e que ninguém quer admitir que frequenta. Ficou evidente, também, que uma grande parcela da população brasileira é conservadora. E os militares, em 64, souberam usar isso, o que mostra que o atual governo não é algo fora da curva”, observa Ciça.



A livraria da Travessa de Niterói fica na rua Dr. Tavares de Macedo, 240, Icaraí

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