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Aulas de física, matemática e mandarim garantem a excelência de um colégio público em Niterói

  • Foto do escritor: Sônia Apolinário
    Sônia Apolinário
  • há 2 dias
  • 7 min de leitura

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Em um dos acessos do morro do Preventório, em Charitas, uma escola da rede estadual de ensino do Rio de Janeiro destoa. De tudo. A começar pelo prédio, que não tem “cara” de escola. Entre árvores e plantas, o clima é calmo, sem algazarras de alunos, mesmo no intervalo entre aulas, quando os jovens tomam conta dos espaços ao ar livre.


 

Penduradas em alguns elementos arquitetônicos do prédio, flutuam lanternas chinesas. Singelas bandeirinhas da China podem ser vistas aqui e ali coladas em alguns móveis. Bem como imagens de dragões de aspecto nada aterrorizantes.

 

Esse é o clima do Colégio Estadual Matemático Joaquim Gomes de Sousa - Intercultural Brasil/China. No último dia 23, a instituição celebrou seu aniversário de 11 anos. Celebra junto a fama, desde a sua fundação, de ter um dos melhores desempenhos no Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) do estado.



 


Em agosto passado, por exemplo, o Ministério da Educação premiou 54 alunos de escolas públicas de todo o país pelo alto desempenho na redação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). No estado do Rio de Janeiro, dois estudantes receberam a premiação. Isabela Maria Arcanjo de Morais, do Brasil-China, foi uma das premiadas, por conta da sua nota 980.


Já no início de setembro, o colégio festou uma conquista de outro aluno. Gustavo Alves Dias recebeu medalhas de prata e bronze na 19ª Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas. "Por acaso", o jovem é monitor de Matemática na escola. Ele dá aulas para os colegas que precisam de algum reforço na disciplina.

 

No Intercultural Brasil/China, o ensino é em tempo integral. A unidade foi a primeira escola pública do país com foco em Ciências Exatas (Matemática, Física e Química) e proficiência em Inglês e Mandarim. Ou seja, os alunos têm a oportunidade de aprender outros idiomas ao longo do Ensino Médio.

 

Foi criada a partir de uma parceria entre a secretaria de Educação do Estado do Rio de Janeiro e a Universidade Normal de Hebei, da China. Localizada em Shijiazhuang, a instituição de ensino e pesquisa tem mais de 100 anos de história e conta com o apoio do Departamento de Educação da China. A Universidade Normal de Hebei manda todos os anos, em esquema de intercâmbio, os professores que lecionam mandarim na escola.


O Brasil-China foi o pioneiro de um projeto que reúne, atualmente, 32 colégios interculturais em 17 municípios do Rio, fruto de parcerias com 19 países. Niterói abriga também unidades relacionadas com Itália (a mais recente), Espanha e França.

 

Por que um projeto pedagógico desse tipo começou justamente pela  “demonizada” China? 


As diretoras na celebração dos 11 anos da escola: Josenir (E), Elisângela (C) e Flávia (D)
As diretoras na celebração dos 11 anos da escola: Josenir (E), Elisângela (C) e Flávia (D)

- A escola é fruto dos primeiros acordos comerciais do governo Luiz Inácio Lula da Silva com a China. Cada acordo comercial tinha que ter algum investimento em educação – explicou a diretora-geral, Elisângela Lopes do Nascimento, que trabalha no colégio desde a sua criação, em 2014. Substitui no cargo Josenir Cabral, atual diretora-adjunta. Completa o triunvirato (feminino) da escola a também diretora-adjunta Flávia Mercante.

 

A implantação da Brasil-China coube ao então secretário de Educação (2010 a 2014) Wilson Risolia. Por que ele escolheu Niterói? Um pouco por “WO”, ou seja, por conta do local que achou disponível à época.


A História do prédio


O prédio do colégio é histórico, mas não tombado. Em épocas coloniais, foi local para quarentena para evitar o alastramento de contágio de doenças epidêmicas como a varíola, febre amarela e cólera, além de doenças como o tifo (era um Preventório para tripulação de embarcações, antes que chegassem ao Rio de Janeiro).


Virou um Lazareto, depois Hospital Santa Isabel (homenagem à Princesa Isabel, inaugurado no seu aniversário de 10 anos). Durante a  Guerra do Paraguai, em 1867, o hospital foi cedido para o Ministério da Guerra para abrigar militares doentes.


Em 1898, o hospital foi batizado com o nome do sanitarista  Francisco de Paula Cândido, onde trabalhou ninguém menos do que Carlos Chagas, o infectologista e pesquisador que “descobriu” a Doença de Chagas e outras doenças infecciosas – teria sido o primeiro emprego do futuro ilustre médico.


De hospital, o prédio, em 1938, transformou-se no Educandário Paula Cândido, onde viveram 900 meninas.


Depois de anos de abandono, o prédio foi reformado no governo de Sérgio Cabral para se tornar um asilo de idosos. Foi esse “asilo” não totalmente completo que Risolia “pegou” para implantar a escola – o prédio abriga uma ampla piscina inacabada em uma grande área coberta, espaço que a escola usa como depósito.


Imagens: reproduções do livro "Capítulos da Memória Niteroiense", de Carlos Wehrs, e foto de uma maquete do prédio da escola.



Notas altas


A primeira turma da escola foi formada por jovens que passaram  por uma prova. Essa seleção “caiu” anos depois por ação de um deputado. Inicialmente, o colégio tinha um total de 72 alunos. Hoje, recebe 260 a cada início de ano letivo, mas só cerca de 240 chegam ao final do ano.


- Muitos querem vir para cá por conta das notas do colégio no Ideb e o alto índice de aprovação no Enem, mas não aguentam o ritmo e pedem transferência. Já fomos o primeiro Ideb do Rio, mas atualmente estamos em quinto lugar justamente por conta dessas perdas de alunos. Ainda assim, em termos de nota de prova, continuamos acima da média, com 6,65 – afirmou a diretora Elisângela.


Atualmente, para conseguir uma vaga no Brasil-China é preciso ficar atento à abertura das inscrições de matrículas - apenas para estudantes que desejam ingressar no 1° ano do Ensino Médio - no site do governo estadual (Matrícula Fácil). Tudo é feito online e a escola de Charitas recebe, em questão de minutos, mais inscrições do que seu número de vagas consegue absorver.


Entre muitas e muitas e muitas aulas de matemática e física, os alunos também têm aulas relacionadas com aspectos culturais tanto da China quanto do Brasil. Mesas de ping-pong não poderiam faltar na escola, afinal, o jogo é uma verdadeira “epidemia” entre os chineses.



Detalhe de um quadro de sala durante aula de mandarim
Detalhe de um quadro de sala durante aula de mandarim

A realização de feiras de ciência e projetos em formas de seminários, circuitos que englobam poesia, redação e jogos relacionados com o português ou ciências exatas, além de produções audiovisuais fazem parte da rotina da escola, sendo que muitos desses projetos acontecem por iniciativa dos alunos. Detalhe: muitos dos seminários são apresentados em inglês ou mandarim.


O colégio tem nove salas de aula, dois laboratórios de idiomas, dois laboratórios de games online, laboratório de informática, biblioteca, sala de música, sala de ginástica, três áreas de convivência e cozinha com refeitório.


Sobre redações, Isabela foi homenageada pelo MEC, mas o colégio tem uma espécie de "mural da fama" onde destaca seus vários alunos que tiraram nota de 900 para cima nos seus textos do Enem. Uma possível explicação para o sucesso dos alunos nas redações pode ser a existência do "Clube de Debate do China", que coloca "para jogo" assuntos como o mito da neutralidade política; fatos relacionados com LGBTs "e as cores do Orgulho" ou discussões sobre ideologia e indústria cultural.


Fantasma comunista


Quem estuda no Matemático Joaquim Gomes de Sousa “corre o risco” de fazer intercâmbio na China. A própria diretora já foi para o país asiático três vezes. Pelo acordo estabelecido, o governo estadual paga passagem e o visto para a entrada no país; a China arca com todo o resto, de hotel (4 estrelas) à alimentação, passando pelos passeios e aulas.


- Os intercâmbios diminuíram um pouco porque o governo do estado deixa de fazer a parte dele e inviabiliza os alunos e até mesmo os professores de irem para a China – contou a diretora-geral.


Os pais dos alunos nunca tiveram medo do “fantasma comunista” chinês?


- Não. Nunca tivemos qualquer tipo de preconceito em relação à cultura chinesa. O que sempre chamou mais atenção foi a beleza do prédio e a qualidade do ensino. Durante um bom tempo, os moradores da comunidade do Preventório acharam que o colégio era particular. Muitos sentiam curiosidade para olhar e nós convidávamos para conhecer. E todos ficavam encantados. Atualmente, cerca de 20% dos nossos alunos são do Preventório. O número só não é maior porque muitos não querem ficar por conta da carga horária – contou a diretora.


Uma data lembrada pelo colégio é 1 de outubro, quando é comemorado o Dia Nacional da China. É quando o país esteja, com um feriado, a criação da República Popular da China, em 1 de outubro de 1949.




Aula com a professora chinesa Wang Ting
Aula com a professora chinesa Wang Ting

É com muito gosto que Elisângela percorre o colégio para mostrar as instalações para eventuais visitas. São instalações modestas - as salas de aula são relativamente apertadas porque tiveram que aumentar o número de alunos por turma. Mas não se vê uma pichação ou carteira ou qualquer outra coisa danificada. 


A diretora conhece cada aluno e sabe quem são seus pais. Escuta com atenção as demandas dos jovens – o que não significa “passar pano” para  eles.


Quem estuda no Brasil-China faz quatro refeições por dia. Bem brasileiras – ou quase, afinal, atualmente, o prato preferido dos alunos é o russo Estrogonofe. 


O matemático


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Joaquim Gomes de Souza (Itapecuru-Mirim, Maranhão 1829 — Londres, Inglaterra 1864), foi um matemático e político brasileiro.


Foi um dos pioneiros no estudo da matemática no Brasil. Filho de proprietários de terras, produtores de algodão, seu pai foi dono do Solar Gomes de Sousa, localizado no Centro Histórico de São Luís, que atualmente abriga o Museu Histórico e Artístico do Maranhão.


Em 1843, foi para a cidade do Rio de Janeiro para ingressar na Escola Militar da Corte, aos 14 anos. No ano seguinte, trancou sua matrícula para ingressar na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro (criada em 1808). No curso, encontrou na Física e na Química uma grande motivação para suas pesquisas, estudando sozinho Cálculo Diferencial e Integral, Mecânica e Astronomia. Em 1848, deixou o curso para seguir na área da Matemática.


Em 1847, solicitou permissão para a direção da Escola Militar para realizar “exames vagos” de todos os anos que faltavam para completar o curso de Ciências Matemáticas e Físicas, algo inédito até então na Escola. Aprovado de modo brilhante, colou grau de bacharel em Ciências Matemáticas e Físicas em junho de 1848.


Em 1854, realiza sua primeira viagem de estudos à Europa. Ao chegar a Paris, assiste diferentes cursos de Matemática na Sorbonne, estabelecendo contatos com matemáticos franceses e ingleses. Escreve vários artigos e conclui o curso de Medicina na Faculdade de Paris.


Foi eleito deputado geral pelo Maranhão em 1856, quando ainda se encontrava na Alemanha. Casou-se com a inglesa Rosa Edith, em 1857, e retornou ao país, para tomar posse na Assembleia Geral do Império, defendendo projetos voltados à educação. Foi reeleito, tomando posse em 1861. No mesmo ano, sua esposa morreu de febre tifoide, tendo o filho do casal morrido em 1863, de uma doença repentina.


Doente por tuberculose, licenciou-se do mandato e retornou à Europa, em 1863, em busca de tratamento. Casa-se novamente em fevereiro de 1864, e em março de 1864 realiza uma viagem para a Inglaterra para tratamento de saúde, onde falece em 1º de junho de 1864, aos 35 anos, sem poder cumprir seu terceiro mandato, para o qual também foi reeleito.

 

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