A incrível jornada de Jorge, a tartaruga - uma aventura entre o Brasil e a Argentina
- Sônia Apolinário

- 30 de jul.
- 4 min de leitura

Aos 60 anos, o baiano Jorge vive um momento derradeiro na sua vida. Depois de 40 anos de cativeiro, busca, livre, o caminho de volta para casa. Um percurso de cerca de quatro mil quilômetros que percorre sozinho, mas não solitário.
Jorge é uma tartaruga-cabeçuda de 130 quilos. Vivia resignada com sua vida de atração de aquário quando tudo mudou. Durante os últimos três anos, foi outra vez adestrado para algo que, talvez, não se recordasse mais: a liberdade.
Na flor da mocidade, aos 20 anos, Jorge se aventurou pelo Oceano Atlântico, o segundo maior da Terra, situado entre três continentes — América, África e Europa. Quis o destino que ele fosse parar em outra Bahia, chamada Branca, onde não se falava português, mas espanhol. Jorge tinha chegado na Argentina.
Ele foi encontrado por um grupo de pescadores, preso a uma rede de pesca, na cidade portuária da província de Buenos Aires. Estava ferido e em estado de choque térmico.
Com cuidado e presteza, os pescadores o levaram para o aquário de Mendonza. Não fizeram por mal. Ao contrário. Foi a forma que, na época, encontraram para salvar sua vida.
Recuperado, Jorge foi grato aos seus salvadores. Tornou-se celebridade no aquário e atraia muitas atenções. A população local e os turistas não se cansavam de vê-lo. E assim se passaram os anos. Quarenta anos.
Em 2021, advogados ambientais recorreram à Justiça pela libertação de Jorge. Venceram a causa e Jorge deixou o aquário.
No último dia 11 de abril, ele foi solto na costa de Mar del Plata, cidade que abriga um dos maiores portos da Argentina, além de ser um popular destino turístico litorâneo do país.

Em linha reta, a distancia entre Mar del Plata e Salvador, capital da Bahia brasileira (supondo que é para lá que Jorge pretende ir) é de 3.406 km. Pela estrada, a quilometragem sobe para 4.383,3. Se Jorge quisesse percorrer o trajeto de carro, levaria uns três dias para chegar. De avião seria bem mais rápido, apenas 9h45. Porém Jorge foi a nado, mesmo.
Jorge adentrou a Baía de Guanabara no último dia 16 de julho. Tudo indica que, na Argentina, ele pegou uma carona na corrente marítima certa, não por acaso, batizada “do Brasil”, de águas mais quentes. Se tivesse entrado na corrente fria, teria parado nas Malvinas, ainda em águas territoriais argentinas, apesar da ilha ser controlada pelo Reino Unido – mas essa contenda não diz respeito a Jorge.
Da Baía de Guanabara até os mares baianos, ele ainda tem cerca de 1,5 mil Km para percorrer. Porém, Jorge parece não estar com pressa. Quatorze dias depois de chegar ao Rio de Janeiro, ele permanece na cidade.
Como eu sei? Foram os integrantes do Projeto Aruanã que me contaram. Lembra que eu disse que Jorge não estava solitário na sua jornada? Desde a sua soltura no mar, a tartaruga está sendo monitorada por pesquisadores argentinos e brasileiros.
A equipe argentina é encabeçada por Laura Prosdocimi, do Laboratório de Ecologia, Conservação e Mamíferos Marinhos do Museu Argentino de Ciências Naturais. Responsável por soltar Jorge no mar, ela atua em conjunto com uma equipe multidisciplinar formada por profissionais do Mar del Plata Aquarium, do Aquário da Cidade de Mendoza e do Instituto de Pesquisas Marinhas e Costeiras de Mar del Plata, que também trabalharam na readaptação da tartaruga ao mar.
Pelo Brasil, quem está de olho em Jorge é a turma do Aruanã. Com sede em Itaipu, em Niterói, o projeto dedica-se à conservação das tartarugas marinhas da Baía de Guanabara e regiões costeiras adjacentes.
Para poder ser monitorado (e ajudado, se for o caso), Jorge teve um aparelho rastreador via satélite acoplado ao seu casco (foto abaixo). Diariamente, a equipe do Aruanã recebe dados da sua localização.

A chegada da tartaruga-cabeçuda à Baía de Guanabara foi motivo de comemoração, mas também de preocupação. Afinal, o animal adentrou em águas que oferecem riscos à sobrevivência da sua espécie tais como poluição por esgoto e poluentes químicos, grande tráfego de embarcações e a prática da pesca e suas redes.
Se Jorge ainda está por aqui é porque nem tudo na Baía de Guanabara é pesadelo. A região também oferece abrigo por conta das suas águas calmas e alimentos, sendo um deles o preferido de Jorge: o camarão.
Até a semana passada, as praias de Baía, tanto do lado do Rio quanto de Niterói apresentavam águas cristalinas e muitas tartarugas foram avistadas. Aliás, as tartarugas são visitantes recorrentes em Niterói, ao longo de todo o ano.
Será que Jorge se enturmou? Quem sabe encontrou o amor da sua vida... E ele não tem tempo a perder. Tartarugas da sua espécie, que inclusive correm risco de extinção, vivem entre 80 e 100 anos. Aos 60, tendo nadado da Argentina até o Rio de Janeiro, Jorge mostrou que está em forma e preparado para curtir sua nova vida em liberdade.

































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