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Nos passos da invisibilizada Niterói negra

  • Foto do escritor: Sônia Apolinário
    Sônia Apolinário
  • há 2 dias
  • 5 min de leitura

Atualizado: há 1 dia


Busto em homenagem a Zumbi dos Palmares, no Cubango
Busto em homenagem a Zumbi dos Palmares, no Cubango


O mito da criação de Niterói por um indígena, elaborado nos tempos da República do Brasil, acabou por esconder muito da História da cidade. Por exemplo, seu passado imperial e a presença da população negra foram sendo gradativamente esquecidos - apesar de vários nomes de ruas espalhadas pelo município.


Um movimento recente busca resgatar parte dessa História ao trilhar os passos da esquecida Niterói negra, literalmente. São caminhadas que passam por locais que o niteroiense circula diariamente, mas não liga “o nome à pessoa” ou o local aos fatos.

 

Um exemplo? Quando se fala em Valonguinho, o que vem à mente de um morador da cidade é um dos campi da Universidade Federal Fluminense (UFF ), no Centro, ou escravidão?

 

Chamou-se em priscas eras Largo do Valonguinho porque, numa casa com pátio à frente, situada junto à íngreme subida para o Morro de São João ou do Hospital, existiu um pequeno, mas ativo mercado de compra e venda de escravos, recém-chegados da Corte. Como Valongo se chamava, no Rio de Janeiro, o grande depósito de escravos que ficava onde hoje é o bairro da Saúde, por Valonguinho ficou sendo denominado o pequeno depósito de escravos de São Domingos e, consequentemente, o Largo, que durante muitos anos assim se denominou. Os mais antigos moradores de Niterói chamam até hoje a Praça Joaquim Murtinho, que foi um médico homeopata doublé financista da Primeira República, de Valonguinho”, informa trecho de 'Niterói em Três Tempos', de Heitor Gurgel, reproduzido em site que faz parte da secretaria das Culturas de Niterói.

 

A geógrafa, professora e pesquisadora Simone Duafe é uma das pioneiras no resgate da presença negra em Niterói. E tudo começou com uma singela pergunta que lhe foi feita por uma aluna, em plena sala de aula.

 

- Eu costumava e ainda costumo levar meus alunos em aulas-passeio no Rio de Janeiro para falar sobre quilombos e presença negra. Um dia, uma aluna perguntou porque tínhamos que ir no Rio, se não tinha como fazer passeio parecido em Niterói, se Niterói não tinha também uma Pequena África (como é chamada uma área do bairro carioca da Gamboa). Foi nesse momento que a ficha caiu. Eu não sabia responder – contou ela que é pesquisadora do Núcleo de Estudo e Pesquisa em Geografia Regional da África e da Diáspora NEGRA , vinculado ao Departamento de Geografia Humana da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ).

 

A pergunta da aluna impulsionou a professora a sair em busca de nomes de ruas, mapas, documentos, imóveis. Levantar o passado escravista de Niterói, segundo ela, não foi das tarefas mais fáceis. O que mais ela encontrou pela frente foram alusões a Arariboia e a Niterói como capital da Província do Rio de Janeiro.

 

Mas lá estava diante dela o bairro do Cubango, batizado com o nome de um rio africano que faz a fronteira entre os países Angola e Namíbia. Remete a uma região que integrava o antigo Império do Congo, um dos principais fornecedores de escravo para o Brasil. Atualmente, Cubango é uma província de Angola. 

 

Aqui, Cubango é considerado o bairro africano de Niterói. Teria sido palco de venda de escravos e abrigo de negros fugitivos que criaram quilombos ao longo das colinas que formam a região.

 

Há dois anos, um busto de Zumbi dos Palmares reina na altura do número 400 da rua 22 de Novembro, em uma área denominada Espaço Quilombola.

 

- Esse é um busto que quase ninguém conhece – comenta a professora. 

 


 "O importante é identificar e valorizar as marcas históricas da presença negra nas cidades", disse a professora Simone.
 "O importante é identificar e valorizar as marcas históricas da presença negra nas cidades", disse a professora Simone.

Outras “pistas” dada pela cidade que a professora tinha muito assunto para pesquisar veio do bairro do Engenho do Mato, onde fica o Quilombo do Grotão, atualmente, reconhecido pelos niteroienses como local histórico e cultural.

 

Em Icaraí, o Santuário das Almas nem sempre foi a paróquia Nossa Senhora do Sagrado Coração. No século XVII já foi a igreja de Nossa Senhora das Necessidades, depois de Nossa Senhora do Rosário e São Benedicto. Quando era Nossa Senhora das Necessidades, a pequena capela sofreu melhorias graças à Irmandade de Pretos, que se tornou mantenedora do templo.

 

Os vários processos de urbanização de Niterói não poupou um imóvel em São Domingos onde, na década de 1880, abolicionistas criaram o Clube dos Libertos. Um centro que promoveu alfabetização de 50 estudantes negros. Descobrir o local exato onde o Clube existiu ainda é uma meta da professora.

 

Grande parte da pesquisa feita por Simone foi transformada em sua tese de mestrado. A professora, porém, ainda não conseguiu reunir material o suficiente para saber quantos negros escravizados passaram ou viveram em Niterói.

 

Segundo ela, seriam números exorbitantes, tipo cem mil pessoas. A lembrar que a Niterói antiga tinha vários portos: 2 no Centro e 1 na Cantareira; no Ingá; Icaraí; Jurujuba, Piratininga e Itaipu. Além disso, tem apenas dois anos que começou uma pesquisa, a nível nacional, sobre um navio escravagista afundado em Itaipuaçu (Maricá).

 

- Niterói passou por muitas transformações. Vão sendo construídas várias camadas na cidade. As pesquisas ajudam a perceber brechas na paisagem e a gente percebe narrativas que foram cimentadas – afirmou Simone.


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 No próximo dia 29, será possível acompanha-la em um dos roteiros que elaborou que seguem os passos da população negra em Niterói.

 

O ponto de partida é outra estátua de Zumbi (foto ao lado), na praça da Cantareira, em São Domingos, às 9h. A caminhada vai até o bairro da Ponta d'areia, com previsão de término às 12h. É grátis e não precisa de inscrição prévia, ou seja, é só chegar.


A atividade é feita em parceria com as turmas dos cursos de Geografia, Pedagogia e Serviço Social da UFF (Projeto de extensão sobre Memórias Negras do Rio).


Outros roteiros


As pesquisas da professora Simone renderam frutos. Elas serviram de base para as turismólogas e guias de turismo Cathiane Santos e Joyce Braga criarem roteiros de Afroturismo em Niterói. Elas desenvolvem a atividade desde 2022.

 

- Buscamos desenvolver experiências autênticas, estimular o  senso crítico e ampliar o acesso a saberes culturais e históricos pouco visibilizados – explicou Joyce.

 

A próxima caminhada está prevista para acontecer no próximo dia 22. As vagas, porém, estão esgotadas. Isso porque é o evento que tinha sido marcado para acontecer no último dia 8, mas foi adiado por conta da chuva.


A dupla, à frente do projeto Contos de Guia, tem vários roteiros. Este também começa na Praça Zumbi dos Palmares, em São Domingos, e termino no Nossas Raízes Bistrô, no Centro.

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