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  • Sônia Apolinário

Milão se curva ao filtro de barro recriado por um designer luso-brasileiro


O tradicional filtro de barro brasileiro, quem diria, foi uma das atrações da mostra paralela do Salão Internacional do Móvel de Milão 2017, realizado de 4 a 9 de abril, na Itália. Mais precisamente, foi o destaque da mostra "Material, Immateria!", promovida pela revista italiana INTERNI. O evento que dita a moda quando o assunto é design, serviu de palco para o lançamento do primeiro produto desenvolvido pelo PLEASURE LAB, um laboratório de pesquisa que busca menos a funcionalidade ergométrica convencional dos objetos e mais a experiência imaterial que ele pode provocar. À frente das pesquisas e do desenvolvimento do produto está Ricardo Antonio, brasileiro nascido e criado no Rio de Janeiro, atual cidadão português residente em Milão. Que ninguém se engane com a aparência simples do Acquapura, que em breve chegará ao mercado brasileiro.

“O filtro é uma homenagem a essa tradição brasileira, a esse knowhow popular, a essa simplicidade de soluções que a cultura popular dos trópicos encontra para várias situações da vida”, afirma Ricardo Antonio, que mora na Europa há cerca de 20 anos.

O modelo lançado no Salão de Milão tem capacidade para três litros e é um "filtro individual". Com 41 cm de altura e 18 cm de diâmetro, foi pensado para ser mantido, por exemplo, sobre a mesa de trabalho em um escritório. Essa é a quantidade de água que deve ser consumida diariamente, por uma pessoa, segundo recomendação dos órgãos internacionais de saúde. Há também as versões de 6, 8 e 12 litros.

Em um dos lados do filtro, um QRCode informa onde o produto foi produzido e em que condições. O projeto prevê que o modelo será fabricado na região em que for comercializado.

“Os filtros de barro brasileiros receberam, recentemente, a certificação internacional de pureza. Eles eliminam até 98% das impurezas da água. Além disso, mantém a água fresca. É feito com argila, material que não polui, porque volta para a terra como terra. Também não precisa de eletricidade para funcionar. Sua força motriz é a gravidade. Além disso tudo, a água, em contato com a argila, ganha um sabor que remete à água bebida direto de uma fonte. Essa sensação é o grande resgate desse objeto”, comenta Ricardo Antonio.

O filtro do PLEASURE LAB cria uma alternativa ao atual hábito de consumo de “água mineral” engarrafada em embalagens de plástico. Tanto para consumo individual, quanto residencial e em locais públicos. Explica-se. Na Europa, toda a água que sai de qualquer torneira é potável. Porém, como explica Ricardo Antonio, “o hábito de consumir apenas água engarrafada vem crescendo”. O filtro, como pode purificar a água, reforçará a confiança do europeu de beber a água da sua torneira, além disso um dos objetivos centrais do PLEASURE-LAB é de incentivar a produção de filtros em países onde a água potável é luxo para maioria da população..

Essas “implicações” por trás do objeto são a alma do Pleasure-Lab. A empresa tem sede em Londres, na Inglaterra, porém o laboratório de pesquisa e desenvolvimento de produtos fica em Milão e é dirigido pelo designer que participa do Salão do Móvel há 18 anos. O objetivo do PLEASURE LAB é a criação de objetos com design sustentável, que faça parte da economia criativa e tenha impacto social. Junto com Ricardo Antonio nessa iniciativa, dois brasileiros: o empresário paulista Paulo Pan e o professor cearense Dimas de Oliveira. O primeiro responde pela Economia Criativa do laboratório e tem experiência em atuação em vários mercados como Estados Unidos, Coréia do Sul, Reino Unido, Israel, países do Continente Africano, além de Brasil e Itália. Já Oliveira se volta para as questões de impacto social enquanto Ricardo Antonio desenvolve o design sustentável.

O laboratório é fruto de uma pesquisa iniciada em 2006 por Ricardo Antonio, no Brasil. Naquele ano, ele se mudou do Rio de Janeiro, onde morava, para a cidade catarinense de Tubarão, para desenvolver produtos para uma empresa local. Lá conheceu os sambaquis, sítios arqueológicos que registram a presença dos “paleoíndios”, os moradores da região há 8 mil anos. Formado em Comunicação Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e Arquitetura pela Universidade Federal Fluminense (UFF), o designer se encantou com a cultura com a qual se deparou.

“Quando soube que esse povo é conhecido por ter tido a melhor qualidade de vida da pré História, fiquei muito curioso. E passei a pesquisá-los. Eles viviam em uma área onde o rio, ou seja, eco sistema de água doce, desembocava no mar e formava área de restinga. Ou seja, fartura de comida em um clima bom. Nos esqueletos não foram encontrados sinais de mortes violentas, apenas morte natural. Eles tinham uma cultura muito simples, deixaram pouco vestígio material. Nós continuamos a ter a mesma abundância em termos de meio ambiente, mas vivemos no inferno. Percebi a simplicidade da cultura imaterial. A questão é viver com pouco e feliz. Decidi, então, criar objetos que proporcionassem uma experiência afetiva e não apenas eficiência. Mas essa experiência só se justifica de verdade se acontecer dentro de um processo que leve em consideração a sustentabilidade e as condições de empregabilidade”, conta Ricardo Antonio que iniciou sua carreira no exterior quando trabalhava como colaborador de Oscar

Niemeyer, ao criar uma cadeira para o interior do Auditório Ravello, projetado pelo arquiteto para a cidade italiana homônima. Ainda hoje, o designer desenvolve produtos para as empresas italianas Poltronas Frau e Hommm, além de atender a escritórios de arquitetos brasileiros como Thiago Bernardes e Jacobsen Arquitetura – para este, criou os bancos que foram para a área externa do pátio do Museu de Arte do Rio, o Mar.

Seu mais recente trabalho concluído fora do PLEASURE LAB foi a linha de bancos para a área pública do Aeroporto Internacional de Mascate, em Omã, no Oriente Médio. Para o laboratório, desenvolve o segundo produto, com previsão de lançamento na Itália, em setembro.

SA: Como vai reagir se o acusarem simplesmente de copiar um produto antigo do Brasil?

RA: Não tem problema, as pessoas podem e devem comprar os filtros tradicionais brasileiros. O que eu fiz foi tirar o desenho do filtro e prestar uma grande homenagem a um trabalho que não pode desaparecer e nem acreditar que é obsoleto como o marketing das grandes corporações quer fazer crer. Quis resgatar soluções simples e que são muito boas e que tentam desqualificar. O que busco com o PLEASURE LAB é a sensação imaterial de um produto. Não tem nada de saudosismo. Apenas mostrar como o simples é bom. O mais importante do filtro é a água que está dentro dele.

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