Uma tarde com arqueiros em Niterói
- Sônia Apolinário
- há 1 dia
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Atualizado: há 7 horas

Busca de foco; contato com a natureza; fazer algo diferente. São vários os motivos que levam pessoas de diferentes idades a se embrenharem pela floresta, de tempos em tempos, para praticar arco e flecha, em Niterói.
Quem tem seu próprio arco e flechas, leva. Quem não tem, usa o material do instrutor Alex Figueiredo, da Vertente Ecoturismo, que há cerca de 20 anos pratica arquearia.
O que o atraiu para o hobby foi gostar de “coisas antigas”. O que o “fisgou” e fez com que mantivesse a prática, até hoje, está mais relacionado até com um "processo terapêutico", como ele disse:
- Vivemos em uma sociedade dispersiva, sob uma chuva de informações que no faz perder totalmente o foco para qualquer coisa. O exercício com o arco é uma forma que tenho para buscar foco. Digo que é minha terapia: buscar o alvo interior para atingir o alvo exterior – afirmou Alex.
Foi logo depois da pandemia do Coronavírus, quando ele era diretor do Parque da Cidade, em São Francisco, que teve a ideia de criar uma área (segura) para a prática do arco e flecha. O local escolhido foi o então abandonado “terreiro do café”, um antigo espaço de piqueniques, com direito a mesas e banquinhos de pedra, que estava sendo engolido pela floresta.
Alex limpou a área, “desenterrou” as mesinhas e, agora, elas servem de apoio para um cafezinho servido pelo instrutor para os arqueiros urbanos.
Para chegar lá, é preciso caminhar cerca de um quilômetro pela estrada do parque, mais 100 metros de trilha ligeiramente íngreme por dentro da floresta – percurso que não exige grandes esforços.
O alvo caseiro, feito por Alex, é estrategicamente pendurado em uma árvore, na frente de um “paredão de mata”. Nessa clareira, as flechas que não acertarem o alvo não têm como acertar qualquer pessoa que esteja caminhando nem pela trilha, nem pelo parque.
A preparação do local faz parte da experiência, bem como as orientações iniciais: postura, respiração – que lembram movimentos de Tai Chi Chuan ; “apresentação” dos arcos, que são de vários tamanhos e diferentes materiais.
Em média, um arco tem 1,40 m, mas pode chegar a 2,10 m. Ao esticar a corda de fibra para o lançamento da flecha, a força feita corresponde a movimentar um peso que pode variar de 6 a 18 quilos, dependendo do tipo de arco, do infantil ao profissional.
Os tiros são praticados a partir de cinco metros de distância, mas pode chegar a até 25 metros.
- Ao praticar o tiro com arco e flecha, as pessoas mexem com músculos que não estão familiarizados com o movimento exigido. É preciso proteger a ponta dos dedos também com esparadrapos. Por isso que não é só uma questão de sair fazendo disparos. É preciso uma preparação prévia. A mulher, por exemplo, consegue esticar mais o braço do que os homens. E o centro de gravidade do homem é diferente do da mulher – explicou Alex.
Segundo ele, todo arco novo é um reinício de aprendizado para a prática. O ideal é encontrar o modelo que mais se adapta com o corpo de cada pessoa. Só “atirando” se descobre o modelo ideal para cada um.
História
O arco e flecha é uma arma de sistema de projeção que antecede a história escrita e é comum para a maioria das culturas. Tiro com arco é a arte, prática ou habilidade de aplicá-lo.
A história do arco e flecha não tem uma origem certa. O mais aceito é que começou em torno da transição do Paleolítico Superior para o Mesolítico. No sítio de Nataruk no Condado de Turkana, no Quênia, lâminas de obsidiana (rocha vulcânica) encontradas em um crânio e dentro da cavidade torácica de outro esqueleto, sugerem o uso de pedra de ponta de flechas como armas. Após o final do último período glacial, uso do arco parece ter se espalhado para todos os continentes habitados, incluindo o Novo Mundo, exceto para a Austrália.
Um domingo

No dia em que #ComuniC acompanhou os arqueiros urbanos para uma sessão de tiros, Matheus Rebel Acha era um dos participantes. Aos 28 anos, estudante de História na Universidade Federal Fluminense, ele foi atraído pela prática do arco e flecha por ser um Medievalista, ou seja, estudante do período histórico conhecido como Idade Média.
- Nosso universo começa na Idade Média, mas a gente não se enxerga lá. Gosto do estudo da arqueologia viva, para estar o mais perto possível do contexto do período – contou ele que pratica arco e flecha há dez anos depois que soube da existência de um workshop sobre a arma em um clube, no Rio.
A maquiadora Thailani Gomes Ferreira e o marido Lucas Lima, que trabalha com TI, arriscaram a dar tiros de arco e flecha para fazer uma programação diferente.
- Gostamos de fazer coisas aleatórias, principalmente, depois da pandemia – disse ela.
- Eu morava em Belford Roxo (Baixada Fluminense) e não tinha acesso a coisas diferentes para fazer. Agora que moro em Niterói, busquei essa atividade também para fazer algo diferente e próximo à natureza – contou ele.

No “duelo” do casal, Lucas acertou mais (próximo) o alvo do que Thailani (foto ao lado). Ele acredita que “provavelmente” vai voltar para novas experiências com arco e flecha; ela também quer voltar para “acertar o alvo”:
- É difícil atirar com arco e flecha. Precisa fazer força na ponta dos dedos e tem toda uma coreografia – afirmou.
Os amigos Pedro Medeiros, Lorran Gomes e Lucas Matias praticavam pela segunda vez. Dentre eles, Pedro acertou algumas vezes na mira do alvo. Ele também gosta de História medieval e costuma ler sobre arquearia.
Apesar de ter acertado o alvo, Pedro acha a prática difícil, principalmente, por ter que fazer força com o braço.
Para os três, o fato de estarem fazendo uma atividade em grupo é algo que os agradam bastante. No caso de Lorran, porém, ainda tem o “fator foco”:
- É uma experiência de foco e concentração, além do contato com a natureza. Acertar o alvo é consequência, nem é o objetivo. Atirar até que é tranquilo, já acertar o alvo é difícil – disse ele que é estudante de Engenharia Mecânica.
Lucas concorda com o amigo, em parte. Para ele, atirar não é difícil, “é costume”. O que importa, mesmo, é fazer algo que reforce a união dos amigos.

Aplausos para quem acerta - se for na mira do alvo, ganha um par de orelhas de elfo para posar para uma foto (Pedro, foto ao lado) - zoar quem isola a flecha ou se encantar com uma grande borboleta de asas azuis que insistia em voar perto do grupo - tudo faz parte da experiência. Bem como buscar as flechas “perdidas” pela floresta, após uma série de tiros.
Tudo feito sem que o aparelho de celular e postagens em redes sociais façam parte da brincadeira. Até porque, na “área de tiro”, não tem sinal.
- Minha proposta de imersão na floresta é justamente para que seja um momento em que as pessoas possam se afastar da vida cotidiana – comentou Alex.
E, quem sabe, também embarcar em uma viagem no tempo.
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