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Sônia Apolinário

Recém-lançado, livro sobre Mariana traça quadro que mostra porque a tragédia ambiental pode se repet

Em novembro do ano passado, a jornalista Cristina Serra lançou o livro “Tragédia em Mariana – A história do maior desastre ambiental do Brasil” (Editora Record). Pouco mais de dois meses depois, a história se repetiria na também cidade mineira de Brumadinho, com outro rompimento de barragem que resultou em novo desastre ambiental com derrame de rejeitos de mineração. No próximo dia 22, o livro será lançado em Belo Horizonte, capital de Minas Gerais, distante 65 km do município soterrado pela lama e onde ainda estão sendo feitos trabalhos de resgates das vítimas.

Depois de Mariana era possível prever Brumadinho? Mais: era possível evitar Brumadinho? O que há em comum nos dois casos, além do “protagonismo” da mineradora Vale?

“O livro não diz, no final, que iria acontecer outro acidente. Ao mesmo tempo, porém, é possível deduzir que isso poderia acontecer a qualquer momento, uma vez que o cenário político-institucional que permitiu o acidente de Mariana não mudou. Isso inclui o poder econômico das empresas, como elas contribuem para campanhas políticas para cargos tanto no legislativo quanto no executivo; a incapacidade dos órgãos públicos de exercer seu papel fiscalizador e o descaso pela vida humana. No caso de Brumadinho, não há o que explique o fato do escritório e refeitório da empresa estarem abaixo da barragem, no caminho da lama. Isso é chocante e absurdo”, afirma Cristina.

Foi como repórter da Rede Globo, onde trabalhou por 26 anos, que ela chegou a Mariana, em novembro de 2015, para fazer reportagens sobre o rompimento da barragem de Fundão, da Samarco - empresa controlada pela brasileira Vale e a australiana BHP. Impactada com o tamanho do desastre que provocou um rastro de destruição na biodiversidade de cerca de 800 quilômetros ao longo da Bacia do Rio Doce, decidiu aprofundar a apuração para escrever um livro. Acabou por se desligar da emissora para se dedicar ao projeto, que lhe ocupou por dois anos.

Cristina passou o Natal de 2015 com famílias dos atingidos pelo desastre. No livro, reconstitui o momento do rompimento da barragem e conta a história das 19 pessoas que morreram. Conta também a história da construção da barragem e de seu processo de licenciamento. Dá detalhes a respeito da investigação que aponta muitos erros cometidos pelos dirigentes da empresa e dos operadores da barragem. Ela buscou ouvir o maior número possível de pessoas – foram cerca de cem entrevistas.

A jornalista informa que teve muita dificuldade para falar com pessoas da Vale. Diferentemente dos funcionários da Samarco:

“Eles ficaram muito chocados com o que aconteceu. Muitos ajudaram no trabalho de resgate. Alguns tinham até necessidade de falar. Eles precisavam dizer que não eram bandidos”, conta ela que chegou a entrevistar o então presidente da Vale, Murilo Ferreira, substituído pelo atual Fabio Schvartsman.

Quando concluiu o livro, Cristina estava convicta que, em termos de punição, o desastre de Mariana “daria em nada”. O processo criminal corre na Justiça Federal em Ponte Nova (MG), sob cuja jurisdição está Mariana. O processo anda lentamente com seus 22 de réus, fora as empresas e as possibilidades de recursos.

No caso de Mariana, ela lembra que a Polícia Civil chegou a pedir prisão dos envolvidos, mas a Justiça não acatou. Em Brumadinho, isso já foi diferente e cinco pessoas foram presas. Uma dessas pessoas, chamou a atenção de Cristina. O gerente executivo do Complexo Paraopeba da Vale, Rodrigo Artur Gomes de Melo, era diretor da mina de Alegria, também da Vale, quando do rompimento da barragem de Fundão, da Samarco. A mina de Alegria também despejava rejeito em Fundão. As duas mineradoras têm áreas industriais vizinhas. Na época de Mariana, Rodrigo Melo chegou a ser indiciado pela Polícia Federal, mas não foi denunciado pelo Ministério Público Federal.

A jornalista explica que a barragem de Fundão, em Mariana, tinha 7 anos. A de Brumadinho era de 1976, não recebia mais rejeitos, mas não estava desativada. Em vários lugares do mundo, esse tipo de barragem já é proibido. Na época de Mariana, não havia sirene para alertar sobre emergências e acidentes. Em Brumadinho havia, mas estava abaixo da barragem que se rompeu.

“Barragem é uma estrutura de risco. Rejeito de mineração tem água na sua composição, então, não é possível prever como vai se comportar. Empresas que trabalham com isso deveriam ser obcecadas por segurança. Os estudos de rompimento de barragens avaliam até onde o rejeito pode chegar em caso de acidente. O refeitório e a parte administrativa da empresa estava abaixo da barragem, a menos de um quilômetro do caminho inicial do percurso da lama. Quem autorizou isso?” é a pergunta que Cristina se faz.

Por conta desse quadro é que o desastre de Brumadinho teve tantas vítimas, para além do

impacto ambiental, e está sendo caracterizado também como acidente de trabalho. De acordo com informações do Corpo de Bombeiros de Minas Gerais, responsáveis pelo resgate das vítimas, até o dia 04 de fevereiro, foram confirmados 134 óbitos, sendo desse total, 120 pessoas identificadas. Foram localizadas 394 pessoas; 199 estão desaparecidas.

Quando soube da notícia do desastre de Brumadinho, Cristina, que atualmente é freelancer, admite que seu primeiro impulso foi largar tudo para ir para o local. Avaliou, porém, que o importante, no momento, é o trabalho de resgate e o luto das famílias. Se virá outro livro, ela ainda não sabe:

“Brumadinho não pode passar em branco. O governo é acionista da Vale e precisa cobrar responsabilidades. A empresa pensa em tudo em termos de produtividade e lucro, mas não pensa na segurança dos trabalhadores. Na verdade, o povo não entra na equação da empresa. Depois de Mariana, as mineradoras mantiveram o mesmo padrão de comportamento. O Brasil não aprendeu nada com Mariana”

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