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Sônia Apolinário

Benedita, cerveja produzida por mulheres da periferia de São Paulo, amplia seu mercado na pandemia

Mulheres empreendedoras feministas e periféricas. Assim se definem as sócias da cervejaria Benedita. O sonho de Melissa Miranda e Eneida Gama é que os moradores de áreas periféricas de São Paulo também tivessem acesso à cerveja de boa qualidade, por um preço que pudessem pagar. Agora, elas também querem produzir bebida mais saudável e estão prestes a lançar rótulos que levam infusão de chá, ervas e frutas - uma parceria com a Infusiva, empresa paulista de pequeno porte que produz blends para chás, com fins medicinais e gastronômicos, inclusive, temperos.

No momento, elas trabalham no desenvolvimento de dois rótulos da nova linha: com chá preto e infusão de jasmim, goiaba e casca de laranja; e chá preto com cupuaçu. Ambas são Small Beer (Lagers com 3% de teor alcoólico).

“Temos que tomar muito cuidado com o chá preto porque ele pode gerar muito amargor. Não vamos usá-lo em substituição ao lúpulo, por exemplo. O lúpulo é importante para funcionar como o componente de preservação da cerveja”, explica Eneida (de camisa preta, na foto), descendente de indígenas, que com os testes dos novos rótulos da Benedita, está, como ela diz, “reaprendendo a beber chás e descobrindo seus benefícios”.


Aprendizado é a palavra que perpassa pela história da marca. De 2018 quando lançaram a primeira cerveja no mercado, até hoje, as sócias aprendem a “trocar o pneu com o carro andando”. E para surpresa de ambas, aprenderam muito durante a pandemia, a ponto de redirecionar os negócios da cervejaria.


A história da Benedita se confunde com uma história de amor que resultou no casamento de Melissa e Eneida, há 17 anos. A aposta no relacionamento fez as duas “ajustarem” suas vidas profissionais. A baiana Melissa, de 44 anos, se mudou para São Paulo, mais precisamente, para Taboão da Serra, na Região Metropolitana, onde Eneida, de 48 anos, atuava no ramo de economia solidária e sustentabilidade. Com 18 anos de atuação em marketing de serviço, Melissa percebeu, na cerveja artesanal, uma oportunidade de negócio para a região.


“Na periferia, há uma carência de boas cervejas. Para experimentar as artesanais que gostávamos, era preciso atravessar a ponte e ir para o outro lado da cidade, onde a bebida é muito cara. Decidimos fazer cerveja para a nossa comunidade. Mas tinha um detalhe. A gente não sabia fazer cerveja”, conta Melissa.


Esse “detalhe” foi resolvido com um curso e em novembro de 2017, Melissa e Eneida fizeram a primeira brassagem. Decidiram que, se a cerveja ficasse boa, venderiam. Caso contrário, beberiam - ou jogariam fora. Deu certo. Foram mais seis meses de indecisões e brassagens até que dois rótulos de Benedita chegaram a alguns pontos de venda, na quebrada: uma Pilsen e uma APA.


A cerveja agradou, novos pedidos chegaram, mas as vendas exigiam o MAPA. Elas entenderam que o próximo passo teria que ser a legalização da cervejaria. Assim, a produção saiu do quintal da casa onde moram para a nanocervejaria Zaruffa, em Pinheiros, bairro paulista onde é possível encontrar vários brewpubs e bares especializados em cerveja artesanal.


Como cigana, o MAPA estava conquistado. Agora, voltariam a vender, de forma legal, “nas quebradas”. Só que não foi bem assim que a banda tocou.


“Eu queria sobreviver somente com vendas na periferia. Mas não dava para competir, em preço, com o litrão das marcas comerciais. Percebemos, também, que o pessoal não tem tanta disposição assim para experimentar novidades. Sofri por um ano até entender que não cresceria se não saísse do meu quintal”, conta Melissa.


Ano passado, em plena pandemia, com o comércio praticamente todo fechado, as duas pararam para “estudar” tudo o que haviam feito até então. Descobriram que seus principais consumidores estavam justamente “do outro lado da ponte”. Fizeram “as pazes” com essa constatação, reorganizaram seus pontos de venda, criaram um esquema de entregas e, agora, já vislumbram crescimento graças ao aumento da demanda.


Atualmente, a Benedita tem quatro rótulos: American Lager, Witbier, Apa e Ipa, feitas alternadamente, em brassagens de 100 litros, cada uma. Quando elas começaram, sabiam que iriam se deparar com um mercado basicamente masculino. Eneida admite que “não faz o papel da simpática”. Então, para evitar problemas, coube a Melissa ser a vendedora e uma espécie de relações públicas da marca.


Elas contam que, por onde passa, a Benedita desperta curiosidade, alguma desconfiança inicial por ser produzida por mulheres, mas, no geral, a cerveja está sendo bem recebida. Assim, uma das lições da pandemia foi o entendimento que elas também não poderiam ter preconceitos.



“A pandemia nos obrigou a conhecer nosso público. Descobrimos pessoas com muita afinidade com nossas ideias, do outro lado da ponte. Entendemos que nosso público não é periférico, mas é, de certa forma, militante”, explica Melissa.


O que ela e Eneida esperam, quando uma garrafa de Benedita é aberta, é que assuntos como racismo, feminismo, machismo, antifascismo e xenofobia tomem conta da roda de conversa. Elas dizem que estão obtendo sucesso nesse sentido, a partir do momento que o público conhece um pouco da história da marca.


Outro aprendizado que a “mão na massa” trouxe para as cervejeiras é que o público não é assim tão fiel. Trocam qualquer rótulo que gostam por uma novidade. E foi por isso que decidiram criar a nova linha com infusões.


É uma novidade que as aproximam das origens da marca ao trabalhar com uma linha desenvolvida por uma sommeliere de chá somente com produtos orgânicos. Afinal, há 15 anos, as duas se dedicam profissionalmente, a temas ambientais e sociais. Economia solidária faz parte e, assim, desenvolver mais parcerias também é uma meta da cervejaria, a curto prazo.


Mas, afinal, por que Benedita foi o nome escolhido para a marca? Melissa responde:

“É uma singela homenagem ao retirante nordestino, que ajudou a construir São Paulo e só foi abrigado nas periferias da cidade, depois da ponte e à beira das represas. O Sr. Benedito, pai da Eneide, é um alagoano que trabalhava como pedreiro. Ele veio para São Paulo, de pau de arara, na década de 60, fugindo da fome, em busca de uma vida mais digna. Ele é um típico representante da periferia de São Paulo. Além disso, a rua onde moramos se chama Benedita Joana Franco. Benedita, portanto, é um nome falado constantemente. Então, nada melhor do que fortalecer o que é bendito.”


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