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  • Sônia Apolinário

Pernaltas e a arte de brincar o carnaval nas alturas


A 90 centímetros do chão, gigantes foliões levam para blocos de carnaval, no Rio de Janeiro, um certo ar de circo. Começaram a aparecer de pouco em pouco. Agora, formam grupos e desafiam a gravidade sambando nas alturas.

Os pernaltas são, atualmente, alegria extra na festa das ruas. Comunic foi a um ensaio da mais recente (e até agora única) oficina de perna de pau criada em Niterói (RJ). Modismo ou tendência? É acompanhar os carnavais para saber.

A Bando de Duas nas Alturas é obra das amigas Mayã Martins (à esquerda na foto) e Laura Cariello (direita). Elas juram que absolutamente qualquer pessoa pode se tornar pernalta. O único pré requisito é não sentir medo de sair andando nas alturas.

Carioca moradora de Niterói, Mayã dá aulas desde 2016. Ela admite que a primeira vez que subiu na perna de pau, quatro anos antes, foi “terrível”. Ela só conseguiu dar os primeiros passos na quarta aula:

JP Nascimento

“Era andar ou cair”, diverte-se a hoje professora que vê vários dos seus alunos andando logo “de primeira”.

Já Laura conta que era encantada com pernaltas desde criança. Fez teatro, estudou palhaçaria até chegar na perna de pau. Há um ano, esse mundo é seu ganha pão. Ela participa de eventos, dá aulas e produz as pernas que vão de 30 centímetros a 90 centímetros e custam R$ 300, em média. Produzir a maquiagem e a fantasia faz parte do show.

Nenhuma das duas diz conseguir explicar esse “boom” de pernaltas nos blocos. Se há um “culpado”, elas acreditam ser a Orquestra Voadora, grupo criado em 2008 por músicos que se apresentavam em diversos blocos carnavalescos do Rio de Janeiro. Se a Voadora deu visibilidade às pernas de pau e criaram as primeiras oficinas, não é, porém, pioneira na presença de pernaltas em desfiles. Esse crédito deve ser dado ao bloco Escravos da Mauá. Criado em 1993, na Zona Portuária, sua comissão de frente sempre foi formada por gigantes foliões, sendo Mayã um deles há oito carnavais.

Foi justamente naquela região do Rio de Janeiro, que ela deu seus primeiros passos na perna de pau. Era 2012 quando conheceu a Grande Cia Brasileira de Mystérios e Novidades, na Gamboa. O foco do grupo artístico é o teatro de rua e o resgate da arte dos saltimbancos da qual pernaltas fazem parte.

Segundo Mayã, a Sinfônica Ambulante teve, em Niterói, o mesmo papel que a Orquestra Voadora teve, no Rio, na difusão da arte da perna de pau. Desde 2015, o grupo papagoiaba mantém oficinas e ela é uma das professoras.

Em 2017, quando conheceu Laura, ela e a amiga começaram a ensaiar os passos na direção de criar o próprio curso. O Bando de Duas nas Alturas está no ar há seis meses.

“Recebemos um convite da prefeitura de Niterói para dar uma oficina e houve um grande interesse pelas aulas. Além disso, quando vai chegando o carnaval, a procura aumenta ainda mais e não havia, em Niterói, aulas regulares em que as pessoas pudessem aprender e, depois, se aperfeiçoar”, afirma Mayã, atual doutoranda em Integração da América Latina na Universidade de São Paulo.

“De uns três anos para cá, a demanda por aprender a andar na perna de pau cresceu. Há cinco anos, minha professora tentou montar uma turma, no Rio, mas não conseguiu”, conta Laura.

Se para subir na perna “todo santo ajuda”, cair faz parte do aprendizado. Em sete anos, Mayã caiu três vezes, mas saiu ilesa. Ela conta que, nas aulas, se perceber que o aluno está “caindo direito”, ela deixa o cortejo seguir.

Para dar um sinal verde para participar do carnaval, a professora precisa ter certeza da segurança do aluno. Segundo ela, a maioria usa pernas de 70 cm ou 80 cm – a dela é de 90 cm. Crianças começam com alturas entre 30 cm e 50 cm. Quanto mais baixa a perna, mais rápido e ágil será o pernalta e mais “fácil” será sambar. A mais alta de todas, apesar de aumentar o grau de dificuldade para manter-se em equilíbrio, é, segundo Mayã, a mais adequada para quem vai participar de um bloco que anda por muitas horas.

Neste carnaval, três crianças pernaltas sairão na Sinfônica Ambulante (data a confirmar): Ana, de 9 anos (60 cm) que faz aula com a mãe; Manuela, 11 anos (30 cm) e Amanda, 12 anos (60 cm).

Mayã, de 30 anos, começou a andar com perna de 70 cm e admite que teve dificuldade para mudar de altura. Hoje não se imagina longe da sua perna de 90 cm. Ela conta que deu aulas para o pai, que chegou a caminhar sozinho. Já sua mãe, prefere nem vê-la no alto da perna.

“O bonito é parecer que você não está em uma perna de pau. É parecer que não há esforço ou dificuldade. Mas se engana quem pensa que estamos em um bloco para brincar. Nossa função é chamar o público para brincar com o bloco. Não estamos ali para sermos admirados. Estamos ali para trazer movimento para o bloco”, explica Mayã.

Por que andar na perna de pau?

Renata Amaral, servidora pública, 33 anos, perna de 80 cm:

“Faço aula há um ano. Vi pernaltas em um ensaio da Sinfônica Ambulante e me interessei. Consegui andar no segundo dia. Não é muito difícil, mas precisa ter coragem. Em uma escala de zero a dez, diria que o grau de dificuldade que senti foi sete. Antes de começar, fazemos alongamento. Quando tiramos a perna, dói tudo. Dá para subir e descer sozinha. Na perna, é outra visão de mundo. A gente se sente um personagem porque todas as pessoas ficam olhando”.

Letícia Marinho, estudante de produção cultural da UFF e produtora do Solar do Jambeiro, em Niterói, 21 anos:

“Em um carnaval fiquei com um rapaz que estava na perna de pau. Depois disso, passei a prestar mais atenção nos pernaltas, me interessei e busquei uma oficina para aprender. Eu consegui andar logo na primeira aula. Tenho usado a perna de 60 cm, mas comprei a de 80 cm. Não é tão fácil assim andar na perna de pau, mas também não é tão difícil. Eu diria que é um grau de dificuldade sete. Quando estou na perna me sinto ótima. É uma visão privilegiada do bloco e dá uma sensação grande de pertencimento.”

Manuela, 11 anos, perna de 30 cm:

“Quando tinha oito anos, ganhei a perna de pau de presente da minha madrinha e passei a treinar com ela. Quando comecei, acho que o grau de dificuldade era oito. Agora, acho que é de cinco. Geralmente, só ando na perna de pau no carnaval e, sim, dói a perna. Mas eu amo carnaval. Quando estou na perna, me sinto alta e poderosa”.

JP Nascimento

Sábado, 8 de fevereiro - caminhada da Cantareira à praia da Boa Viagem, à tarde

Domingo, 9 de fevereiro - Morro da Boa Vista , perto da Igreja de São Lourenço dos Índios, no final da rua Indígena, 16h. A oficina vai acompanhar o ensaio da Sinfônica Ambulante

Foto de abertura: Daniel Bressan

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