Conferência sobre runas leva místicos, bruxas e magos à cidade paulista
A cidade paulista de Ribeirão Pires ficará, hoje, sábado, dia 13, sob a influência de uma poderosa energia.
Ao longo do dia, acontece a 1° Conferência Brasileira de Runas. A organizadora Lígia Raido informa que o evento é aberto a “todos que se interessam pelo assunto, desde estudantes e adeptos do paganismo nórdico, passando pelos místicos e terapeutas, bruxas e magos, até quem nunca teve contato com as runas, mas deseja aprender e expandir a mente”. Além de runemal, Lígia se apresenta como bruxa. Já a historiadora Francine Derschne, uma das palestrantes, é sacerdotisa wicca.
Na programação, além de palestras, serão realizadas vivências e leitura do oráculo. O evento terá ainda uma feira mística com venda de produtos ligados às runas, paganismo nórdico e de inspiração medieval.
Bacharel em História pela Universidade de São Paulo (USP), Francine informa: “as runas surgiram originalmente como parte de um alfabeto conhecido como alfabeto rúnico utilizado no Norte da Europa e em algumas partes da Alemanha e da Gran Bretanha, anterior ao alfabeto latino. As primeiras inscrições rúnicas encontradas datam por volta de 150 depois da era comum, mas seu uso como um oráculo se popularizou somente entre os séculos XIX e XX através das pesquisas de ocultistas como Guido Von List”.
Lígia complementa: “cada símbolo possui som e significados próprios e estão ligadas a uma ideia, momento, e/ou sentimento, emanando assim uma energia específica quando utilizado. Eram usadas na demarcação de túmulos, inscrições em armas, pedras, na entrada das casas e, possivelmente, em encantamentos (palavras faladas que contém um poder mágico). Devido ao seu grande poder tornaram-se também um oráculo”.
Lígia Raido, bruxa iniciada na magia rúnica desde 2005:
SA: Como começou seu interesse pelas runas?
LR: Meu interesse surgiu há uns 14 anos, durante uma leitura com as runas. Na época, eu estudava bruxaria e era costume trocarmos leituras, massagens e serviços. Não me lembro qual era a questão, mas precisava de uma orientação e estava em busca de um tarólogo. Conversando com uma amiga e colega bruxa ela ofereceu uma leitura de runas que aceitei prontamente. E foi nesta leitura que tive um contato maior com as runas e ouvi o seu chamado, pois durante essa leitura saiu que eu deveria começar meus estudos. Desde então elas fazem parte da minha vida.
SA: Você é bruxa "formada"? O que significa isso, na prática?
LR: A prática da bruxaria, bem como das runas entre outras ligadas às tradições esotéricas e pagãs são reflexo de muito estudo, estudo esse que é uma constante em nossas vidas. Hoje, além de livros sobre o assunto, temos inúmeras escolas que passam esse conteúdo facilitando esses estudos. Eu me formei na Universidade Livre Holística Casa de Bruxa (em Santo André, SP).
SA: A Universidade Livre Holística Casa de Bruxa é como se fosse a Hogwarts do Harry Potter?
LR: Tirando todos os efeitos especiais, como vôo de vassoura e demais coisas do gênero, podemos dizer que sim. A Casa de Bruxa é uma universidade que ministra cursos livres de bruxaria, ervas, astrologia, massagens, entre outros na área de terapias alternativas e bem estar.
SA: E sua formação em runas, como foi?
LR: Comecei os estudos com a amiga Fabiana que fez a leitura que citei. Depois fiz um curso na Universidade Livre Holística Casa de Bruxa onde me iniciei. Após a iniciação passei a estudar e consultar livros sobre o assunto e trazer as runas para as práticas do meu dia a dia, e assim tem sido durante os últimos anos.
SA: Quantas pessoas no Brasil estão envolvidas, profissionalmente, com runas?
LR: Não faço ideia! Participo de grupos dedicados ao assunto no Facebook, um deles, o Runas Brasil, vem dos tempos de Orkut e possui 740 membros.
SA: Por que fazer uma conferência?
LR: Por que não? Já existem inúmeros eventos dedicados à bruxaria, ao tarô e cartomancia, terapias alternativas e misticismo de forma geral. Eu sempre quis reunir pessoas com interesse nas runas, encontrar os colegas e fazer uma grande festa; trocar saberes e também trazer a oportunidade de quem não conhece aprender um pouco sobre esse alfabeto tão rico.
SA: Qual o público previsto para o evento?
LR: O evento é aberto a todos aqueles que desejam saber sobre o assunto. Desde estudantes e adeptos do paganismo nórdico, passando pelos místicos e terapeutas, bruxas e magos, até aquele que nunca teve contato com as runas, mas deseja aprender e expandir a mente.
SA: Como identificar quem atua de forma séria com runas?
LR: Eis um assunto complicado, não existe um manual de instruções (infelizmente) e cada um atua de uma maneira. Creio que fugir de quem oferece cursos e iniciações relâmpagos e os famosos trabalhos espirituais é uma boa forma de se prevenir.
SA: Você consulta as runas diariamente? Guia suas ações por elas?
LR: Não. Como oráculo pessoal consulto apenas para questões e orientações urgentes. No entanto, estão presentes em meu dia a dia seja como uso terapêutico ou mágico. E, sim, guio minhas ações por elas, dificilmente ignoro um conselho rúnico.
SA: Runa é vista com algo ligado ao esoterismo, ao místico. É esse mesmo o campo das runas?
LR: Sim e não. Depende de quem vê. Colocar as runas como sendo algo somente ligado ao místico talvez seja um pouco injusto, visto que se trata de um alfabeto antigo, portanto uma linguagem falada. As runas fazem parte de uma cultura muito antiga onde acreditar na magia e no sobrenatural era algo comum.
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Francine Derschner, bacharel em História pela Universidade de São Paulo (USP), runemal atuante e professora de runas, sacerdotisa wicanna apaixonada pela cultura e pelos Deuses nórdicos
SA: Como se deu seu interesse pelas runas?
FD: É difícil falar sobre como meu interesse pelas runas começou. Sinto como se uma junção de vários caminhos distintos tivesse em levado até elas. Na faculdade de História, criei um grande interesse pelos povos do Norte da Europa, comumente chamados de vikings. No entanto, esse campo de estudo estava apenas começando a se desenvolver no país e eu não encontrei uma forma de estudá-los a fundo dentro do ambiente acadêmico. Paralelamente a isso, também na faculdade, eu me encontrei religiosamente. Eu comecei uma dedicação na wicca e é esperado que toda bruxa conheça ou tenha o mínimo de familiaridade com, ao menos, uma forma de oráculo. Eu tentei estudar vários e não me senti realmente ligada a nenhum oráculo mais convencional como o tarô ou o baralho cigano. Quando eu conheci as runas pela parte acadêmica os sinos tocaram na minha cabeça.
SA: Como foi sua formação?
FD: Foi bastante convencional. Comecei comprando um livro e tentando aprender por conta própria, até que, por amigos em comum, eu conheci meu professor o Dagaz também iniciado pela Casa de Bruxa. Quando acabei minha formação inicial passei mais algum tempo me aprofundando por conta própria com os livros, majoritariamente em inglês, até que me senti segura para começar a atender. Atendi pessoas em feiras medievais e em casa por aproximadamente 5 anos e então abri minha primeira turma do curso de runas.
SA: Que aptidões uma pessoa precisa ter para trabalhar com as runas?
FD: Essa é uma daquelas perguntas que eu nunca estarei apta a responder, pois, para mim, são as runas que escolhem a pessoa e não o contrário. Os pré-requisitos que eu posso apontar são os mesmos necessários para o aprendizado de qualquer oráculo: uma mente forte e sã (definitivamente não recomendo o estudo de oráculos para pessoas com distúrbios psicológicos), dedicação (tenha em mente que você estará aprendendo um novo alfabeto e cada runa pode ter mais de seis significados distintos) e disposição para a mudança (todos os meus alunos passaram por um processo de auto aprimoramento intenso conforme avançavam pelo caminho das runas, o que pode significar, algumas vezes, em um amadurecimento que não estamos prontos ou não desejamos enfrentar).
SA: O que a levou para a religião Wicca?
FD: A Wicca é uma religião moderna que surgiu na Inglaterra da década de 50 com Gerald Gardner - mesmo período em que as últimas leis anti-bruxaria foram revogadas no país - e desde então se espalhou pelo mundo. Trata-se de uma religião pagã, iniciática, politeísta, focada no culto aos ciclos naturais, que tem por princípio a prática de magia. Ao contrário das religiões cristãs, nós não temos templos públicos, nem um texto sagrado, os rituais e celebrações acontecem geralmente dentro de pequenos núcleos chamados de covens. Nós não temos nenhuma organização central, embora existam diversas associações como a Abrawicca aqui no Brasil, que procuram promover o conhecimento e o contato entre os praticantes da religião. Minha formação começou participando de rituais abertos de Wicca e lendos livros sobre o assunto. Fiz um período de aprendizado junto a uma tradição wiccana e por fim criei um grupo de estudos que hoje é o meu coven
SA: Onde é seu coven?
FD: Eu sou de São Paulo e o meu coven também está aqui. De uma maneira bem simplista eu diria que chamamos de coven um grupo de bruxos que trabalha mágica devocional e energeticamente juntos, uma verdadeira família mágica. Ou seja, o meu coven é formado pelas pessoas que eu escolhi e que me escolheram para celebrar e viver a nossa religião juntos. Nós não temos um espaço físico delimitado como um templo, celebramos muitas vezes na minha casa ou em parques e outros locais ao ar livre.
SA: Qual a atuação de uma sacerdotisa Wicca?
FD: A Wicca hoje tem muitas vertentes, com ramificações diferentes, com suas próprias práticas e cultos distintos, por isso a prática de cada coven pode variar muito em relação aos outros. Como sacerdotisa exerço um trabalho de caráter devocional aos Deuses, o que na prática significa celebrar os rituais com meu coven em nossas datas sagradas e prestar devoção permanente a nossos Deuses. Temos oito principais celebrações ao longo do ano chamadas de sabás e costumamos também celebrar as lunações, em especial os plenilúnios chamados de esbás. Nosso calendário de celebrações tem algumas especificações. Boa parte dessas celebrações estão ligadas a ciclos naturais da Terra como o solstício de verão ou o equinócio de outono. Nossa religião surgiu no hemisfério Norte então, originalmente, as datas são contadas a partir dele, no entanto, alguns praticantes aqui no Hemisfério Sul sentiram a necessidade de se conectar as nossas próprias estações, então as datas são diferentes. Cada grupo ou participante pode escolher através de qual hemisfério prefere se guiar, no meu caso o meu coven segue a Roda Sul das estações então nossa (mais recente) celebração (foi) o Samhaim. no dia 1º de Maio.
SA: Por ser sacerdotisa, há coisas que lhe são proibidas de fazer?
FD: Não, a Wicca é uma religião que valoriza muito a liberdade individual e não tem nada como um livro de regras que imponha limitações aos seus praticantes. O que existe são as regras internas de cada coven ou tradição e as limitações morais e éticas de cada um.
SA: Você em todos os lugares se identifica como sacerdotisa Wicca?
FD: Eu me identifico como wiccana sempre. Na maioria das vezes, as pessoas não sabem que religião é essa e eu tenho que fazer um breve resumo, mas isso é muito natural.
SA: Ao se identificar como wiccana, já sofreu preconceito?
FD: Nunca fui vítima de nenhum preconceito religioso escancarado. É claro que existem sempre algumas situações incomodas como pessoas tentando te pregar suas próprias ideias religiosas, mas, no gera,l eu acho que elas só não levam muito a sério mesmo, como se fosse um hobby excêntrico.
SA: O que mais a atrai na religião Wicca?
FD: Gosto muito da cosmovisão nórdica, em especial do mito de criação onde a interação entre as forças opostas e complementares do fogo e gelo criam as condições necessárias para o surgimento da vida. Creio que a mitologia nórdica está repleta desse equilíbrio entre opostos. Os Deuses têm seus antagonistas opostos e quando o equilíbrio finalmente for rompido em uma grande batalha será travada, o período do fim do mundo conhecido como Ragnarok. Os Deuses nórdicos têm falhas, como nós humanos e muitas vezes precisam fazer grandes sacrifícios para atingirem seus objetivos. Controlar e reconhecer a importâncias das forças opostas em nós mesmos e estar disposto a se sacrificar por aquilo que é importante para você é uma lição que considero muito importante em nossos tempos, para os povos nórdicos nada vinha de graça todo sucesso era fruto do esforço, muitas vezes coletivo. Então eu diria que aceitar os altos e baixos da vida, valorizar as pessoas que estão ao seu lado e se esforçar para atingir seus objetivos são para mim o principal conselho que a mitologia nórdica nos traz.