Mais de 33 milhões de brasileiros vivem em desertos de notícias
No Brasil, 3.280 municípios formam o chamado “desertos de notícias”. São aqueles que não dispõem de qualquer veículo de comunicação local. Juntos, concentram 33,7 milhões de pessoas. Esses dados fazem parte da 5ª edição do censo anual realizado pelo Atlas da Notícia e foram apresentados pelo jornalista Sérgio Lüdtke no 39o Congresso Nacional dos Jornalistas, no sábado, 25.
Esse quadro limita o acesso à informação, considerado pelo professor Celso Schroeder, da Puc-RS, como um serviço essencial. Segundo ele, o meio para produção de informação de qualidade é o jornalismo, que tem alto custo e, por isso, deve contar com financiamento público. Com esse raciocínio, defendeu a proposta de financiamento da produção jornalística por meio da taxação das grandes plataformas mundiais da Internet apresentada pela Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ).
O mapeamento da presença jornalística nos municípios brasileiros, feito pelo Atlas da Notícia, se refere ao ano de 2020. Do total de 5.570 municípios, o censo também identificou que outras 28,9 milhões de pessoas vivem em 1.187 municípios tidos como semi-desertos de notícias, ou locais onde há, pelo menos, um veículo de comunicação local. No caso dos “desertos de notícias”, Lüdtke informou que o número significa uma redução de 5,9% em relação a 2019, “muito por conta das iniciativas digitais” que surgiram nos últimos tempos.
Os dados relacionados com os municípios considerados “oásis de notícias” reforçam esse quadro. Nesses 1.103 municípios, houve um aumento de 1.170 veículos online, em comparação a 2019. Com esse crescimento, a mídia digital se aproximou do veículo com maior presença nesses municípios: o rádio, que responde por 33,6% da participação, contra 32,2% do online. Em terceiro lugar está o impresso (24,7%) seguido pela TV (9,5%). De todas essas modalidades, o censo registrou o “desaparecimento” de 200 títulos impressos. Em todos os demais, houve aumento de número de veículos, em relação a 2019, tendo surgido 208 emissoras de rádios e 81 emissoras de TV.
No painel “Desertos de Notícias e Fundo de Apoio e Fomento ao Jornalismo”, Lüdke analisou a queda da publicidade no período da pandemia e disse que há veículos em situação quase desesperadora. Ele não crê na retomada da publicidade aos níveis pré pandemia e pregou a busca por novos modelos de captação de recursos. O jornalista afirmou que os leitores estão ávidos por notícias e que é necessário criar formas de financiamento que envolvam a sociedade, pois a publicidade da inciativa privada já não cumprirá esse papel.
No mesmo painel, Celso Schroeder, que também é diretor do Departamento de Relações Internacionais da FENAJ e ex-vice-presidente da FIJ, disse que é preciso trabalhar para acabar com a sensação do público de que o serviço jornalístico é gratuito:
“É preciso superar a sensação de gratuidade do conteúdo jornalístico, para que a sociedade entenda e apoie a lei que busca a taxação da grandes plataformas e a remuneração do conteúdo jornalístico. O custo alto do bom jornalismo não é entendido pelas pessoas. A crise do momento não é do jornalismo, mas do financiamento do jornalismo”.
Segundo ele, a ausência de regulação do setor de comunicação permitiu a concentração dos veículos em poucos grupos econômicos e gerou os desertos:
“As seis famílias donas das grandes mídias, que conduzem o Brasil, criaram os desertos de notícias pelo país.”
De acordo com Schroeder, esses grupos sempre impediram a regulação e justificaram seus posicionamentos como sendo uma garantia para a liberdade de expressão. Porém, agora, frente à ação das plataformas internacionais na Internet, "percebem que deram um tiro no pé", uma vez que os recursos publicitários estão fluindo para elas e os deixam em dificuldades financeiras.
Para Schroeder há uma concentração, de maneira inédita, de poder político e econômico. Ele também observou que as plataformas digitais transformaram dados pessoais em mercadoria. Outra característica é a de ser uma tecnologia que funciona sem territorialidade e “se não há território, não há lei”.
Ainda no sábado, no painel, “Remuneração de conteúdo jornalístico nas plataformas”, foi feita a proposta de unificação dos Projetos de Lei 2950/2021 apresentado pelo deputado Rui Falcão (PT/SP) e 2630/2020, do senador Ângelo Coronel (PSD/BA), para alcançar uma proposta que facilite a aprovação no Congresso. A ideia partiu do senador e foi acatada pelo jornalista Lincoln Macário, que, no evento, apresentou o projeto feito pelo grupo Jornalismo tem Valor que serviu de base para o PL do deputado. Ambos buscam a remuneração do trabalho jornalístico e asseguram ser complementares à proposta apresentada pela FENAJ.
Neste mesmo painel a presidente da FENAJ, Maria José Braga, enalteceu a importância do debate e lembrou que a proposta lançada pela entidade tem o objetivo de abrir as discussões.
“Apresentamos uma proposta inovadora e sabemos da necessidade de os profissionais opinarem. É normal que ao terem o primeiro contato, cada um pare para pensar. Mas o nosso projeto foi construído por especialistas em cada tema. Tributaristas, assessores parlamentares, jornalistas, especialistas em direitos autorais etc. Contamos ainda com a experiência internacional da Federação Internacional dos Jornalistas (FIJ) e estamos prontos para o bom debate.”
O senador é autor do PL2630/2020 que prevê o pagamento de direitos autorais aos veículos de imprensa pela publicação de notícias em redes sociais e plataformas. Ele explicou que a iniciativa se deu a partir do seu trabalho como relator da “PL das Fake News”. Já o PL 2950/2021, segundo Macário, “responde” ao Marco Civil da Internet e não à Lei dos Direitos Autorais e pode ser entendido como “complementar” à proposta da Fenaj de taxação das grandes plataformas digitais, “com a vantagem de ser autoaplicável. Isso significa que, em caso de ser aprovado, não precisa de regulamentação”, defendeu.
“Ao não envolver a Lei dos Direitos autorais, o PL não mexe com necessidade de atualização tecnológica e consegue ter uma tramitação mais rápida, porque essa Lei tem vários pontos a serem atualizados, mas sua tramitação está parada”, explicou Macário.
Tempos de ódio
No último ano, foram registrados 429 episódios de violência contra jornalistas, dos quais 175 partiram diretamente do presidente da República. Os números foram apresentados pelo jornalista Luis Nassif, do Jornal GGN. Ele participou, na sexta-feira, dia 24, da roda de conversa “Jornalismo em tempos de ódio”, junto com a jornalista Patrícia Campos Mello, que abriu a segunda semana do 39o Congresso Nacional dos Jornalistas .
Segundo Nassif, o “ativismo judiciário” está colocando o jornalismo em risco:
“Os juízes aplicam as penas de acordo com a cara do réu que está na frente dele”, afirmou.
Ele criticou o que chama de “grau de discricionaridade” dos juízes que resulta em multiplicação de penas sem critérios.
Nassif disse ainda que "o mais assustador" é o silêncio de juízes ante decisões que “desmoralizam” o próprio Judiciário. Otimista, afirmou que as recentes decisões do Supremo Tribunal Federal (STF), como as tomadas quanto à Lava Jato, levam a crer que o sistema judiciário será reconstruído. De qualquer forma, vê perseguições que ocorrem contra os juízes considerados “garantistas” dentro do próprio Judiciário.
Já Patrícia Campos Melo - repórter especial, colunista da Folha de São Paulo e autora do livro "Máquina do Ódio" - destacou a preocupação com o processo eleitoral do próximo ano. Ela afirmou que o “roteiro de 22” já está pronto e seguirá o texto que resultou em ações como a invasão do Capitólio, nos EUA, como tentativa para garantir a manutenção de Trump como presidente.
“Nenhum governo gosta do jornalista. Isso é do jogo. Porém, hoje, a agressividade é muito grande, inclusive com ações online. Ao mesmo tempo, tentam emplacar Medidas Provisórias para atingir o faturamento das publicações. Não bastasse isso, o atual governo publicamente pressiona empresários para não anunciarem em veículos ‘não patrióticos’”, observou.
Sobre matérias que são denúncias, Nassif afirmou que são “instrumentalizadas” pelo veículo, de acordo com seus interesses.
Patrícia, que denunciou o esquema das Fake News da eleição de 2018, disse que, apesar das notícias terem sido minimizadas, no início, algumas providências foram tomadas a partir das publicações. Citou como exemplo as atuais investigações que estão sendo feitas pelo TSE.
“Vamos continuar a fazer denúncias. Esse é o nosso papel. O que vão fazer com as denúncias é fora do meu controle. Acho que, aos poucos, as coisas melhoram, apesar de que não estou otimista em relação ao ano que vem”, afirmou.
O 39o Congresso Nacional dos Jornalistas terminou no domingo (26). O evento, que foi realizado de forma virtual, contou com o apoio da Fundação Friedrich Ebert (FES), Federação Internacional dos Jornalistas (FIJ), Associação dos Funcionários do BNDES, Federação Única dos Petroleiros, Confederação Nacional dos Trabalhadores da Educação e TIM.
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