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Sônia Apolinário

Livro infantil conta a história da trupe familiar Carroça de Mamulengos

Era uma vez um menino criado em um quintal de interior do Brasil por uma avó benzedeira. Um dia, ele descobre os mamulengos e ganha mundo. No caminho, conhece uma atriz. Ela foge com ele. O casal tem oito filhos, cada um nascido em um lugar diferente do país. Era a bordo do ônibus Brasilino que a família vivia. Por onde passavam, deixavam um rastro de arte genuinamente popular. Essa é uma história real, contada no livro “Álbum de família - Aventuranças, memórias e efabulações da trupe familiar Carroça de Mamulengos” (editora Peirópolis). Escrito pela jornalista Gabriela Romeu, essa “biofantasia” é destinada às crianças - de idade e de alma.

Criado na década de 70, o grupo Carroça de Mamulengos, que tem raiz em Cariri (CE), se tornou uma das mais importantes companhias culturais do país, ao levar para o público a tradição dos saltimbancos. O menino do quintal é Carlos Gomide. A atriz que fugiu com ele é Schirley França. Oito filhos, três netos. E o show continua.

“Essa é uma história singular, que nasce do sonho de um menino. O grupo Carroça de Mamulengos descende de artistas populares que há séculos vivem a tradição da arte nas ruas, das trupes itinerantes medievais, saltimbancos que têm a praça como ponto de encontro de um fazer artístico genuinamente vivencial”, comenta Gabriela também crítica teatral e documentarista, especializada em produção cultural para a infância.

Como escrever uma história que, por si só, já parece ficção? O caminho encontrado pela autora foi misturar realidade e fantasia. É por isso que ela define o livro como uma “bioficção”.

O que a realidade informa é que Carlos Gomide aprendeu sobre as artes dos mamulengos com o mestre Antonio Babau e em sua homenagem, pegou-lhe o nome emprestado quando iniciou suas andanças pelo interior do país. Já como Carlos Babau, conheceu Schirley França que sonhava em ser atriz.

Ela exerceu a profissão e também a de pedagoga e professora dos filhos - foram oito, sendo gêmeos, por duas vezes. Cada membro da família tinha sua caixa com suas coisas devidamente organizadas.

“Autodidatas por convicção, os pais deram aos filhos um ofício, um outro tipo de diploma. Foram alfabetizados na cultura popular. Era uma vida de muito afeto e poucos pertences. Cada filho que nascia ganhava um boneco e a trupe, uma nova história. Os bonecos acompanhavam o desenvolvimentos dos filhos”, conta Gabriela que trabalhou no livro por um ano.

Ela dá um exemplo. Quando Maria Gomide, a filha mais velha, nasceu, durante um festival, Babau criou a Burrinha Fumacinha que a ajudou a aprender a andar. Quando começou a falar, chegou o Carneiro. Na adolescência, ganhou de presente um Dragão. Para essa família, brincar era sagrado, bem como cada boneco.

A vida real também conta que o motorista do Brasilino era chamado Mosquito e qualquer cacareco servia para consertar o veículo, que chegou a servir de morada para dez pessoas. Reza a lenda que, ao ver pela primeira vez uma carcaça de cabeça de boi e reparar a marca da rachadura da pancada que matou o animal, a família ficou tão triste que nunca mais conseguiu comer carne.

A vida real também conta que Carlos e Shirley se separaram. Ela mora, atualmente, no Rio de Janeiro, mais precisamente, em Maricá, com alguns filhos. Outros estão em Cariri. A Carroça, porém, continua a circular e onde ela para, a família se reúne para atuar. Maria Gomide é a atual produtora da trupe, uma lição aprendida cedo, já que era ela quem, desde os 12 anos, “passava o chapéu” pelo público.

Na biofantasia, um belo dia, o pai vai embora. O segundo filho, quando começa a falar, só fala em rimas e se torna poeta, quando adulto. Schirley nina bonecos. Todos os filhos viviam impecáveis, sempre arrumados, com os sapatos, muito limpos, enfileirados, um ao lado do outro, na porta de casa, fosse qual fosse o tipo de casa.

“Tudo isso é real ou ficção? Deixo cada um imaginar a resposta. Cada integrante da família me contou muitas histórias. Eles foram muito respeitosos com a minha proposta de ficcionar a história deles. Eu misturo o real e o fantástico, com o cuidado de permitir que os dez integrantes da família se vissem no livro. Quando Schirley leu pela primeira vez, ela disse: ‘é tão a nossa história e também não é’. Eu tinha que agradar a todos. Mas é um livro para crianças, precisava ter um texto mais macio. A história deles parece uma utopia”, comenta Gabriela que, desde 1999, escreve sobre e para crianças no jornal “Folha de S.Paulo”, onde editou o caderno Folhinha.

O baú de fotografias da família também foi aberto para a realização do livro. Foi esse material que inspirou as ilustrações criadas pela artista gráfica Catarina Bessell . O livro traz um segundo volume intitulado “Porta-Retratos”, com imagens da trupe e um perfil de cada integrante.

Quem assina o prefácio da obra é o compositor, cantor e escritor Chico César. Nascido no município de Catolé da Rocha (PB) e amigo da família de artistas, ele afirma que o Carroça de Mamulengos é uma das mais importantes companhias culturais do Brasil:

"Uns dirão que é folclore. Eu digo que é sabedoria brincante apoiada em arte burilada na tradição movente dos saltimbancos de todos os tempos e lugares – desde os mais remotos dos protoeuropeus até nosso fugidio presente. São atores, cantores, músicos, acróbatas, equilibristas para quem a origem popular e o autodidatismo não empanam o rigor nem a visão crítica a respeito do próprio trabalho”, escreveu.

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