- Sônia Apolinário
Novo processo que faz cerveja em 48h é testado em Juiz de Fora
Um workshop realizado na Cervejaria Escola Mirante, em Juiz de Fora (MG), reuniu cerca de 90 pessoas, ao longo de três dias, na semana passada. Para o grupo, foi apresentado um novo processo de produção de cerveja em que a bebida fica pronta em 48 horas. A “mágica” fica por conta da técnica de imobilização de leveduras em equipamentos especialmente desenvolvidos para elas.
“Nesse processo, a levedura trabalha a nosso favor e não a favor dela”, explica o gaúcho Vitor Pies, um dos sócios da FlashBiotech Brasil, sediada em Estrela (RS), empresa que patenteou o “sistema flash” que permite que uma cerveja fique pronta com uma fermentação de apenas 24 horas e um mesmo período de maturação.
No processo convencional de produção de cerveja, a bebida demora, pelo menos, 15 dias para ficar pronta. Na forma “flash”, o fermentador sai de cena. Em seu lugar, entram um tanque de processo (onde fica o mosto) e um biorreator (onde ficam as leveduras). O equipamento controla o trabalho biológico da levedura.
Para a demonstração foram produzidos 500 litros de uma Red Ale. Segundo Pies, é possível fazer todos os estilos de cerveja com o novo processo. Coube ao sócio Alexander Moreira desenvolver as pesquisas - um trabalho iniciado há 15 anos.
Químico e bioquímico cervejeiro, o paulista Moreira trabalhou primeiro em cervejaria mainstream e, nos últimos anos, na indústria farmacêutica. A cervejaria ficava na cidade de Estrela, onde Pies morava e, por um breve período, teve uma microcervejaria, a Oblipa, vendida há dois anos e, atualmente, sendo operada pelos novos donos em Recife (PE).
Na cervejaria mainstream, Moreira cuidava do processo de fermentação e do laboratório. A FlashBiotech Brasil é uma empresa de biotecnologia criada há seis meses.
“Abrimos a empresa somente depois que dominamos completamente o processo e patenteamos o sistema de fermentação controlada. Não fazemos modificação genética na levedura. É o biorreator que faz a mágica”, afirma Pies que conta ter vendido a Oblipa para se dedicar integralmente à então futura FlashBiotech Brasil.
É justamente o tempo que uma determinada quantidade de cerveja leva para ficar pronta, dentro de um fermentador, que, em grande parte, define o preço da bebida – que tende a ser mais elevado, no caso das artesanais, por conta da menor quantidade produzida.
A fermentação acelerada, explica Pies, permite aumentar a produção ao mesmo tempo em que reduz o risco de perda da bebida por contaminação. Além disso, com o novo processo, a empresa economiza energia e produz menos efluentes. Porém, os equipamentos desenvolvidos pela FlashBiotech Brasil, que permitem a utilização do novo processo, custam seis a sete vezes mais caros do que um fermentador convencional. A Cervejaria Escola Mirante foi a primeira, no país, a adquirir o equipamento.
“Há 100 anos que as cervejas são feitas da mesma forma. Enquanto estávamos na fase de pesquisas, ouvimos muito que a aceleração era mentira, que era impossível. Esse sistema vai revolucionar o mercado de cerveja, principalmente, dentre as artesanais”, afirmou Pies.
Por dentro da "mágica"
Mestre em Engenharia Química na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Thiago Ribeiro informa que leveduras imobilizadas são usadas, há um bom tempo, na indústria sucroalcooleira, mas somente agora está chegando à produção cervejeira.
Ele explica que, no processo de imobilização da levedura, usa-se a substância alginato para colar as células em uma membrana, que vira uma pequena esfera. Essas esferas ficam dentro de um biorreator por onde a cerveja passa várias vezes. O mosto fica recirculando dentro dessas esferas, onde está a levedura, que libera CO2 e álcool para o mosto.
“Esse processo tem, de fato, vantagens econômicas porque acelera a produção. Na indústria sucroalcooleira, é utilizado para maximização de álcool. Na cerveja, vai na direção de maximizar a qualidade sensorial da bebida. É bacana ver essa tecnologia indo, agora, para a indústria cervejeira. Essa troca de tecnologia é bastante interessante”, comentou Ribeiro, também técnico cervejeiro pelo Instituto da Cerveja Brasil (ICB) e Universidade Técnica de Munique (TUM).
Segundo ele, a tecnologia envolvida neste processo, está relacionada com o tamanho das esferas onde ficam as leveduras, a velocidade que a cerveja passa por elas e toda uma gradação de temperatura ao longo da ação.
Na opinião de Ribeiro, essa aceleração de produção de cerveja não funciona para todos os estilos da bebida. Os mais complexos, afirma, exigem mais tempo para a boa produção de ésteres. Técnico responsável pela cervejaria BrewLab, ele acredita que esse novo processo “deve funcionar bem” para Lagers em geral e Ales mais simples.
“A cerveja não é uma indústria das mais avant-garde. Tem muitas regras e leis impostas que as pessoas não querem se desfazer. É bom ver alguém sendo disruptivo. É uma mudança de paradigma que, na minha opinião, tem futuro”, afirma ele lembrando que grandes empresas, para se beneficiarem desse processo acelerado, terão que fazer um investimento alto por conta da adaptação dos equipamentos.
Justamente para fugir desse investimento, mas em busca de soluções que acelerem a produção de cerveja, correm por fora pesquisas que envolvem uma levedura que está sendo chamada de “Viking”. Ela fermenta a bebida em quatro dias, em temperatura ambiente. Ainda é “clandestina” no Brasil, mas tem percorrido várias panelas pelo país e vai dar o que falar, em termos de produção cervejeira, em breve.
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