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  • Sônia Apolinário

Cervejeiras feministas, parte 2

Fazer cerveja sozinhas ou em coletivos é pouco para um grupo de mulheres. Brassar, para elas, é uma militância. Feminista. No próximo final de semana (dias 19 e 20 de agosto), no bairro do Riachuelo, na Zona Norte do Rio algumas delas se reúnem pela segunda vez este ano para dar continuidade ao I Encontro Nacional de Cervejeiras Feministas. A programação dessa segunda parte segue o formato da primeira, com brassagem coletiva e um dia somente para rodas de conversa que giram em torno de perspectivas feministas sobre o mundo da cerveja e do trabalho. A novidade fica por conta da degustação da Red Ipa feita no encontro anterior.

Tudo começou com um texto escrito pela Doutora em Letras, Bacharel e Licenciada em Filosofia Leinimar Alves Pires. Intitulado “Sobre cerveja, mulheres e feminismo”, foi publicado em junho do ano passado no Jornal do Brasil online. No texto, ela explica que foi pelas mãos do marido, também professor, que começou a produzir cerveja. E, nesse processo, se fez uma pergunta: “Qual é o lugar da mulher no mundo da cerveja?” Revisando a História, aprendeu que, há milênios, eram as mulheres as produtoras de cerveja das comunidades e foi com a Revolução Industrial que perderam o “posto” para os homens. Mais. Foram reduzidas a peças de propaganda para homens consumidores de cerveja. Assim, encerra o texto apontando para a “necessidade de uma produção consciente e política de Cerveja Artesanal Feminista”.

“O texto tomou uma dimensão maior do que poderia imaginar. Foi inesperado o apoio e a repercussão. Muitas mulheres entraram em contato. De cara, descobrimos oito cervejarias conduzidas por mulheres, de várias partes do país. Percebi que, isoladamente, todas carregavam a mesma visão e, por isso, a gente se conectou”, conta Leinimar.

No final das contas, os laços se estreitaram com cervejeiras de três estados e, claro, pintou a vontade de fazerem cerveja juntas. Assim surgiu o I Encontro Nacional de Cervejeiras Feministas – 1 parte, realizado em janeiro, com as participações da Cerveja Artesanal Molotov (CE), Cerveja Caetés (RJ), Cerveja da Mulher Guerreira – Artesanal e Feminista (RJ), Cerveja Guaratiba (RJ), Cerveja Sem Rótulo (RJ) e Coletivo Autogestionário Ceres (RS).

Rolou vaquinha para compra de insumos e decidiram brassar 50 litros uma Red Ipa. Agora, essa cerveja será degustada e a receita repetida. A produção, dessa vez, será de 30 litros e vai para o Ceará, onde (provavelmente) em janeiro, acontece o 2 Encontro. Quem continua a assinar a receita é a gaúcha Amanda Lourensen, de 20 anos, do Coletivo Autogestionário Ceres.

A brassagem será no sábado, na cervejaria onde a produção da Cerveja da Mulher Guerreira é feita. As rodas de conversa, domingo, vão para a casa da vizinha Lis, responsável pela parte visual da Cerveja da Mulher Guerreira – Artesanal e Feminista. Entre os temas a serem debatidos estão “Maternidade e militância” e “A importância do empoderamento para as mulheres". Dentre as atividades, serão oferecidas uma oficina de defesa pessoal para mulheres e outra de degustação de cervejas. São homens bem-vindos?

“Sim, desde que entendam seu lugar de não-protagonismo. Na primeira parte, foram homens cervejeiros que já chegaram mandando, achando que precisavam orientar alguma coisa. O ambiente da cerveja artesanal é masculinizado e os homens sempre questionam nossa capacidade de produzir cerveja. Mesmo assim, ainda não tivemos reações negativas ao nosso movimento”, conta Leinimar.

Segundo ela, a maior dificuldade encontrada para a realização do evento é o deslocamento das mulheres, por conta de questões financeiras. Por isso, o rodízio dos locais para dar oportunidade de todas participarem.

Sobre as críticas que o atual movimento feminista tem recebido, Leinimar credita ao próprio desconhecimento do que seja o feminismo:

“Todo movimento tem sua vertente radical e, como vertente, tem que ser respeitada. Porém, essas críticas são muito vagas. É tudo muito bobo, pueril. Como educadora, tento explicar sempre para meus alunos como as coisas se passam para que não saiam falando besteira. Como militante, talvez tenhamos que fundamentar melhor nossas ações. No nosso caso, é um projeto que vem sendo construído com algumas mulheres, que busca fortalecer mulheres em cada localidade para que aconteçam encontros cada vez mais potentes”.

A dona da receita

Professora de Sociologia no Ensino Médio e cursando Ciências Sociais na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Amanda Lourensen entrou para o coletivo Ceres em 2015. Até então, era apenas um grupo de amigos que, no ano seguinte, decidiu fazer cerveja.

“No coletivo, a gente se divide em grupos de trabalho. Fazer cerveja é muito parecido com cozinhar e como eu gostava de cozinhar, fiquei mais com essa parte de receita e brassagem. Fui montando as receitas de forma bem experimental e comecei a estudar. Sempre achei tranquilo de fazer, apesar de não ser fácil. Fazer cerveja é complexo, demorado. Como tudo, é uma questão de hábito e estudo”, diz Amanda que tem como meta vir a trabalhar com cerveja.

Cerveja da Mulher Guerreira – Artesanal e Feminista

Há cinco anos, Leinimar foi convidada pelo marido para fazerem uma cerveja juntos. Até então, isso nunca tinha ocorrido a ela:

“Fiz e achei o máximo. Falei para ele que queria fazer cerveja com outras mulheres. Ele nos deu as primeiras instruções e, alguns meses depois, em dezembro de 2015, criamos a Cerveja Feminista. Porém, descobrirmos que mulheres da agência paulista 65/10 já tinham uma cerveja com esse nome. Decidimos, então, usar o que era então nosso slogan, Cerveja da Mulher Guerreira - Artesanal e Feminista”, conta Leinimar.

O coletivo já possui dois rótulos, sempre homenageando uma importante mulher da História.

O primeiro é Luisa Mahin - Nascida em Costa Mina, na África, no início do século XIX, foi trazida para o Brasil como escrava. Ela esteve envolvida na articulação de todas as revoltas e levantes de escravos que sacudiram a então Província da Bahia, nas primeiras décadas do século XIX.

O segundo, a IPA Maria Clandestina, é uma homenagem a todas as mulheres que viveram na clandestinidade por conta de sua militância política.

Até outubro, “nasce” o terceiro rótulo, reservado a uma mulher quilombola.

Veja a programação completa

Leia o texto que deu origem ao projeto

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